Há quem pense que ficção científica é apenas um gênero fantástico que brinca com naves espaciais, robôs e aventuras distantes, de outros mundos e criaturas que nada têm a ver conosco. Talvez essas pessoas nunca tenham conhecido uma obra-prima do gênero – como o insanamente humano “A Chegada”, que chega aos cinemas nesta quinta-feira trazendo alienígenas, símbolos indecifráveis e uma discussão profunda sobre linguagem e tempo.
“A Chegada” é o novo filme de Denis Villeneuve, diretor de “Os Suspeitos”, “O Homem Duplicado”, “Sicario” e da sequência de “Blade Runner” prevista para 2017. Para quem ainda tinha aquele pé atrás sobre sua capacidade de fazer justiça a um dos maiores clássicos do cinema e da ficção científica, talvez “A Chegada” ajude a provar que ele é, sim, a pessoa certa para o trabalho.
Especialista em dilemas morais, Villeneuve tem se provado um mestre na arte de encontrar o “conflito humano” em qualquer tipo de história – e é isso que faz de seu novo trabalho uma adaptação tão fiel e, ao mesmo tempo, tão autêntica do conto de Ted Chiang que inspirou o filme, o belíssimo “The Story of Your Life”.
“A Chegada” conta a história de uma linguista (Amy Adams, um dos nomes na linha de frente para o Oscar 2017) que é convocada pelo governo americano para traduzir os sons emitidos por uma dupla de alienígenas que acabaram de aterrissar na Terra. Os dois, protegidos por uma nave gigantesca de forma oval, não estão sozinhos: outras onze naves idênticas pairam sobre diferentes países ao redor do mundo, gerando uma espécie de corrida internacional pelo primeiro contato.
Enquanto seus contratantes esperam que a personagem de Adams descubra o motivo da “visita” com uma pergunta que julgam simples, ela se preocupa em estabelecer uma comunicação real com seus estranhos interlocutores, antes de questioná-los com uma frase que poderá ser mal interpretada e cuja resposta ela poderia não compreender.
Se excluirmos da conta o fato de que estamos falando com alienígenas, o filme poderia muito bem se aplicar a qualquer contato de uma cultura colonialista (como a norte-americana) com um povo estrangeiro, a quem se quer dominar ou de quem se teme um ataque. Numa escala ainda mais próxima, a abordagem militar sobre o “contato” é mais ou menos aquela que adotamos diariamente uns com os outros, apoiando-nos em diálogos unilaterais que raramente podem ser entendidos como “comunicação”.
A personagem de Adams tem mais a oferecer, porém, do que esse lado profissional, apaixonado por linguagem. É ela quem nos conta essa história e são seus próprios mistérios, revelados aos poucos entre uma situação fantástica e outra, que dão ao filme a camada pessoal de que ele precisa para não se perder em círculos borrados e naves metálicas. Tudo pode ser entendido numa dimensão bem mais íntima, se o espectador assim quiser.
“A Chegada” é, obviamente, um filme de ficção científica, mas esta é apenas uma de suas classificações – uma “desculpa” atraente para a discussão de dilemas nem um pouco ficcionais. Sob a cortina elegante da invasão alienígena, revelam-se reflexões sobre a compreensão do tempo, a vida e a morte, a parte e o todo, a liberdade proporcionada pela ignorância. Discussões filosóficas que vão perturbar o sono do público e fazê-lo voltar aos cinemas para mais uma dose.
O filme estreia no dia 24 de novembro e traz no elenco, além de Adams, Jeremy Renner, Forest Whitaker e Michael Stuhlbarg.
Por Juliana Varella
Atualizado em 22 Nov 2016.