Há algo de diferente em “Amor à Primeira Briga” desde a primeira cena. Sentados numa loja de caixões, Arnaud (Kévin Azaïs) e Manu (Antoine Laurent) discutem os preços e a qualidade das madeiras oferecidas pelo vendedor. O caixão, por acaso, é para seu pai, que vai ser cremado em poucos dias.
Manu é carpinteiro, como o pai, e Arnaud acaba de chegar para ajudar no negócio da família. O garoto, afinal, parece não ter ambições e já está na idade de arrumar uma ocupação (pelo menos, aos olhos da mãe). Mas ele está longe de atender aos padrões: além de despreocupado com o futuro, é delicado e gentil.
Do outro lado da roda está Madeleine (Adèle Haenel), uma menina bruta que quer se alistar na facção mais radical do exército francês para se preparar para o fim do mundo. Isso mesmo: para o fim do mundo. É aí que a história de Thomas Cailey começa a ganhar ares de metáfora e incorporar um sentido mais amplo do que a comédia romântica sugerida pelo título em português (o original significa “os combatentes”).
Apesar de opostos, os dois protagonistas representam uma juventude sem perspectivas, desmotivada pela crise econômica na Europa. A sugestão fica mais óbvia quando um personagem declara que vai se mudar para outro país, porque “não há futuro na França”.
Enquanto Madeleine come peixes batidos no liquidificador e mergulha com pesos nas costas para treinar sua resistência, Arnaud apenas observa, maravilhado e intrigado. Eventualmente, os dois vão parar num campo de treinamento do exército, para um curso de duas semanas.
O treino é um choque de realidade para a garota, que percebe que ninguém está levando o apocalipse tão a sério quanto ela (e, que heresia, as mulheres ali dormem em camas de verdade!). Já o bondoso menino, que ela considerava fraco, se sai tão bem que acaba sendo promovido a líder dos estagiários.
O filme segue apostando nesse balanço de poder entre os dois, deixando escorrer em olhares e gestos uma questão que jamais é dita: para que se preparar para o futuro, se o presente não valer a pena? Técnicas de exército podem ajudar Madeleine a sobreviver, mas não a viver – muito menos sozinha.
“Amor à Primeira Briga” tem um lado leve e um pesado. É romântico e engraçado (na medida do possível para um longa europeu), mas também mostra os conflitos internos de seus personagens e trabalha as fragilidades de sua geração com um olhar simbólico, transpondo para a floresta as dificuldades da vida em sociedade. “Se você não tiver paciência, não vai vencer este jogo”, alerta Arnaud. Para o desespero de Madeleine, ele está certo - e sua força, talvez, não lhe sirva de nada quando o fim chegar.
Por Juliana Varella
Atualizado em 27 Mar 2015.