“Aquarius”, longa brasileiro que estreia nesta quinta-feira (1º de setembro) com Sônia Braga, é um daqueles filmes que desafiam a análise. Talvez daqui a alguns anos ele revele facetas artísticas valiosas ou venha a cair no esquecimento, mas o fato é que, hoje, esta é uma obra que carrega em si todo um contexto político e cinematográfico que lhe dá relevância. Um contexto, como todos sabem, simultaneamente explosivo e delicado, como é o cinema de Kleber Mendonça Filho.
Este é o segundo longa de ficção do diretor pernambucano. O primeiro foi “O Som Ao Redor”, que praticamente inaugurou uma nova forma de se fazer cinema no Brasil e se tornou representante de uma geração de cineastas sem medo de explorar o suspense e a fantasia para falar de temas muito reais. Com tamanho pontapé inicial, era de se esperar que “Aquarius” sofresse com comparações e, talvez, tivesse dificuldade para corresponder às expectativas.
De fato, “Aquarius” é menos inovador que “O Som Ao Redor”. Aliás, inovar não parece ser, nem de longe, o seu objetivo: o tema é justamente a resistência à mudança e o direito de não se atualizar. Sônia Braga, atriz que andava distante do cinema brasileiro há pelo menos uma década (duas, se considerarmos papéis centrais), interpreta uma jornalista aposentada que vive no mesmo apartamento que pertenceu à sua mãe, no tradicional edifício Aquarius, no Recife. Ela é a última moradora do prédio, já que uma construtora adquiriu todos os imóveis vizinhos com a intenção de derrubar o local – mas está esbarrando em sua teimosia para completar o serviço.
Com Humberto Carrão no papel do jovem ambicioso à frente do projeto de demolição (que precisa “se provar” em seu primeiro trabalho na empresa), Maeve Jinkings e Julia Bernat no elenco de apoio, o filme vai construindo uma tensão entre Clara (personagem de Braga) e todos à sua volta: a construtora, sua família, seus antigos vizinhos. Só mesmo o mar, revolto e incontrolável, parece estar ao seu lado.
Mendonça ainda trabalha com uma metáfora, que vai se revelar mais claramente ao final do filme: Clara venceu um câncer na juventude e, agora, está disposta a se tornar o câncer para seus inimigos. Talvez não caiba ao espectador julgar essa atitude rancorosa da personagem, mas o que o filme propõe é a ideia que o indivíduo – e é aí que se revela sua vocação política – não é obrigado a aceitar as opressões que lhe são impostas. Ou, colocando em outras palavras, ninguém tem o direito de exigir que uma pessoa abandone aquilo no qual acredita (seja isso uma propriedade particular, uma lembrança ou simplesmente uma consciência tranquila).
Essa mensagem é reforçada quando se coloca a obra lado a lado com as ações de sua equipe de produção: em Cannes, o grupo realizou um protesto no tapete vermelho contra o impeachment. Em coletiva, diretor e elenco dispararam farpas contra o atual regime e se disseram receosos sobre o futuro da liberdade de expressão. Teria o filme sido construído já com essa mensagem de resistência em mente? Talvez não, mas o fato é que o momento ajudou, em muito, a transformar um drama mediano numa das obras mais comentadas do ano no país.
Por Juliana Varella
Atualizado em 1 Set 2016.