Pode uma máquina pensar como um ser humano? Em “O Jogo da Imitação”, filme de Morten Tyldum baseado na biografia de Alan Turing, a questão colocada por um policial ao protagonista parece esconder outra, lançada nas entrelinhas: pode um ser humano pensar como uma máquina?
Turing, impecavelmente interpretado por Benedict Cumberbatch, é mais um representante da linha de gênios antissociais excessivamente conscientes da própria superioridade – como Steve Jobs e Mark Zuckerberg. Sua arrogância é cômica, mas há certa angústia na forma como ele alterna entre os papéis de herói e vilão, buscando sem sucesso a humanidade do meio-termo.
O longa inicia com um monólogo de Cumberbatch de interlocutor ambíguo. A cena sugere (e mais tarde confirma) um interrogatório policial, mas as palavras servem igualmente bem para o público do cinema – você mesmo - que, acomodado em sua cadeira, tem a missão de ouvir, atentar-se aos detalhes e só julgar depois de encerrada a história.
Como juiz no Jogo da Imitação (teste criado por Turing no qual um computador tenta se passar por humano), o espectador tem a missão de diferenciar o homem da máquina. Tarefa difícil, no caso dele.
Contratado pelo governo britânico para quebrar a criptografia nazista durante a Segunda Guerra Mundial, o protagonista acaba criando o que se tornaria o primeiro computador do mundo – processo que lhe rende mais inimigos do que amigos.
Turing recruta uma equipe para construi-lo, usando como teste um jogo de palavras cruzadas. Joan Clarke (Keira Knightley) se destaca entre os candidatos, a única mulher num clube de meninos.
A presença de Clarke é essencial para reforçar a identidade de Turing, ambos desacreditados por sua natureza. Homossexual numa época em que isso era considerado crime, o matemático mais tarde afirma, cheio de ambiguidade, que uma máquina jamais pensará como um ser humano, mas que pensar diferente não é sinônimo de não pensar.
Sua teoria sobre inteligência artificial, que nascia ali, mistura-se sutilmente à defesa de sua sexualidade, bem como dos direitos das mulheres e dos judeus. O romantismo igualitário desse discurso, porém, contrasta com a frieza com que ele lida com outras questões ao longo do filme.
Num momento-chave, Turing responde a um dilema moral estritamente com a razão, esmagando com a lógica as esperanças de centenas de pessoas. A dor em seu rosto denuncia o conflito entre o homem e a máquina.
Cumberbatch cumpre com excelência a missão de construir um personagem com dois lados – mecânico e, ao mesmo tempo, doce; previsível e, ao mesmo tempo, enigmático. Seu Turing se revela um gênio que encontrou na certeza da matemática um conforto para suas inseguranças – e, no meio do caminho, venceu uma guerra.
Por Juliana Varella
Atualizado em 3 Fev 2015.