Se existe um desafio máximo para o cinema, é o de conseguir captar – e expressar usando apenas imagens e sons – os caminhos intangíveis da psique humana. Surpreende, portanto, que o longa de estreia do norueguês Eskil Vogt, “Blind”, não apenas mostre ao público o que se passa na mente de sua protagonista, mas nos faça sentir nitidamente seus medos e frustrações.
Ingrid (Ellen Dorrit Petersen) é cega. Mas, antes de ser cega, ela é uma mulher – e uma mulher casada, com desejos, que quer um filho mas não se sente no direito de ser mãe. Ela é também bastante solitária, já que, traumatizada pela cegueira recentemente adquirida, não tem coragem de sair de casa e encarar o mundo exterior cheio de carros, esquinas e pessoas.
O filme começa com uma sucessão de imagens, todas narradas por Ingrid (o que serve de aviso, de certa forma): ela mesma, um voyeur viciado em vídeos pornôs, uma jovem mãe divorciada, um homem de boas intenções, mas que vive inventando desculpas para estar fora de casa. Os personagens se misturam no início e levam um tempo para se revelarem: um deles é o marido da protagonista, mas qual é a relação dela com os outros? Como ela os conhece tanto?
Logo, percebemos que Ingrid não sai de casa fisicamente, mas sua imaginação viaja sem descanso pelos apartamentos à sua volta e pela cidade que ela um dia conheceu. Insegura, ela desconfia da fidelidade de seu companheiro e reprime, silenciosa, sua carência sexual.
Em certos momentos, a expectativa do que Ingrid percebe pela audição é confrontada com realidades bem menos glamourosas, como quando se despe pensando estar sendo observada pelo marido, enquanto, na verdade, ele olha para o computador.
O drama desta mulher é menos físico do que psicológico e, pouco a pouco, suas fantasias auto-destrutivas começam a se confrontar com a realidade, maior vítima de sua cegueira, e revelar pensamentos e verdades que Ingrid se recusava a encarar.
Múltiplo em olhares e significados, “Blind” traz jogos brilhantes de cena e mostra a força de um diretor ainda no início de uma carreira promissora. Seu filme faz pensar sobre o papel da realidade e da ficção em diferentes estilos de vida e propõe um questionamento importante, mesmo que discreto, sobre o valor da auto-estima. Impactante.
Por Juliana Varella
Atualizado em 2 Mar 2015.