A Mostra Internacional de Cinema mal acabou e os destaques da seleção oficial já começam a pipocar por aí. Entre os brasileiros, um dos que mais chamou atenção foi "Boa Sorte", segundo longa de Carolina Jabor. Adaptado do conto "Frontal com Fanta", de Jorge Furtado, o filme segue o encontro e amizade entre João e Judite, ambos internados em uma clínica psiquiátrica. Salvo alguns clichês, Jabor mostra-se segura e promete conquistar não só com uma história de amor, e sim com um conto sobre a vida e a morte.
Poucos diretores conseguem segurar seus roteiros contando apenas com, praticamente, um ambiente; no filme de Jabor, a característica, entretanto, é essencial à história. Lá, encontram-se João (João Pedro Zappa) e Judite (Deborah Secco). Ele, um jovem de 17 anos viciado em frontal e internado pela primeira vez. Ela, uma mulher de 30 anos que já experimentou de tudo. Na reabilitação, eles vivenciam um amor intenso e transformador.
Não é de hoje que vimos Deborah Secco transmutar a sua carreia de papeis de boa moça à personagens violentas e desafiadoras. De "Confissões de Adolescente" a "Bruna Surfistinha", o aspecto é claro. Agora, em "Boa Sorte", a atriz mostra-se capaz de encarar qualquer tipo de papel. Já o insosso João Pedro Zappa parece ser perfeito para o filme: um adolescente sem personalidade confrontando a verdadeira faceta da vida. Acontece que tamanha apatia cansa e, diferente de outros jovens atores, como Jesuíta Barbosa, parece que não veremos o rapaz brilhar nas telonas.
Depois de sua estreia, em 2008, com o documentário "Mistérios do Samba", Carolina Jabor optou por se inspirar na poesia de Jorge Furtado para contar a sua nova história. "Frontal com Fanta" chegou a fazer parte de uma antologia intitulada "Tarja Preta" e, como o nome sugere, trata não apenas das psicopatologias contemporâneas, e sim das sensações inerentes a qualquer ser humano. O conto, sobre um garoto que diz sentir-se invisível, é a chave para o lapidado roteiro de Jabor. Não podemos deixar de lado o sutil olhar da diretora para tratar das questões visuais de seu filme - a densidade da narrativa contrasta com o acabamento quase que perfeito da fotografia.
Mesmo que não tenha provado de experiências similares, no caso a reabilitação, o espectador inevitavelmente identifica-se com a história a sua frente. "Boa Sorte" personifica em suas personagens o confronto entre distintas bagagens de vida. João e Judite, em suas diferenças, acabam mostrando-se iguais. Acima de tudo, "Boa Sorte", junto com tantos outros, continua a mostrar que o cinema alternativo brasileiro, muitas vezes, supera o pastelão do comercial. Configura-se, assim, não só como peça de festival, mas como entretenimento para todo tipo de público. Seja você cinéfilo, ou não, encher os olhos com a graciosa crônica de Jabor não será de tanto esforço assim.
Por Ricardo Archilha
Atualizado em 14 Nov 2014.