É estranho como algo tão simples, às vezes, pode ter um impacto tão grande. Assistir a Boyhood – Da Infância à Juventude, de Richard Linklater, é algo como testemunhar a vida real, comum e constante, mas com pequenos insights que fazem tudo aquilo – e tudo isto – ganhar outro sentido.
O longa ficou famoso por levar 12 anos para ser filmado, acompanhando o crescimento de seus protagonistas (especialmente do pequeno Ellar Coltrane, que interpreta Mason Jr. dos 6 aos 18 anos) durante duas semanas de gravação por ano. O resultado concorre agora a seis Oscars, incluindo os de Melhor Filme, Roteiro e Diretor.
O trabalho não impressiona tanto pela ambição da proposta (há outros filmes que seguiram o mesmo caminho, inclusive entre os de Linklater), mas pela qualidade do produto final. Boyhood, que tinha tudo para entediar o espectador com uma história sem clímax, se revela uma experiência envolvente, que prende nossos olhos da primeira à última cena.
Parte do sucesso vem do roteiro, com personagens bem marcados e alguns diálogos inspirados, que convidam o público a refletir o tempo todo. Outra parte vem das atuações cativantes de Ethan Hawke (que vive o pai) e do estreante Coltrane. Patricia Arquette interpreta a mãe e Lorelei Linklater completa o elenco principal como a irmã. A estrela, entretanto, é a montagem, que, discreta, faz fluírem 12 anos em pouco menos de três horas, com coerência e agilidade.
A trama é quase uma não-trama: os pais se separam, a mãe se desdobra para cuidar dos filhos e trabalhar. Eventualmente, ela se casa com o primeiro homem que lhe oferece segurança financeira. Péssima ideia. Depois de uma crise, separa-se e volta a casar anos depois, só para descobrir que ficaria melhor sozinha. Enquanto isso, os filhos crescem, brigam, arranjam namorados, brigam mais um pouco, questionam os pais e finalmente saem de casa, para começar a faculdade.
Nada de mais. E ao mesmo tempo, tudo. É essa vida comum e cheia de mudanças que conduz o filho mais novo a buscar a resposta para uma pergunta que nem sabe ao certo qual é. “Estamos nos tornando robôs condicionados”, ele conclui. “Não posso deixar que inventem um sentido para a minha vida.”
Do outro lado, ouvimos uma mãe se despedaçar ao descobrir que passara seus anos cumprindo obrigações: casar, ter filhos, criá-los, vê-los partir. Agora, está morta para o mundo. (Como se fosse preciso ter permissão do mundo para viver.)
Com o orçamento estimado de risíveis US$ 4 milhões, Boyhood joga uma luz de esperança sobre o cinema independente, representando a força de um olhar sensível sobre a imagem sofisticada. Como o fotógrafo que se torna Mason Jr., Linklater observa o mundo com atenção e silêncio antes de mirar sua câmera. Como ele, descobrimos que não ter destino é tudo o que precisamos para criar nosso próprio destino.
Por Juliana Varella
Atualizado em 3 Fev 2015.