Existe um movimento claro no cinema brasileiro de incorporação da classe média como protagonista. No lugar dos ricaços ou das comunidades, o que se tem visto nos últimos três anos (desde “O Som Ao Redor”) é a ascensão do meio-termo – o estudante de escola particular ou o profissional autônomo que, empenhado em “dar certo na vida”, isola-se da realidade e só percebe a fragilidade de seus valores quando a crise econômica bate à porta.
“Casa Grande”, filme de Fellipe Barbosa, enfoca uma camada particularmente alta dessa classe média, mas em queda livre. O pai, correntista de ações, está desempregado. A mãe, que até então não trabalhava, arrisca-se no comércio de cosméticos. Já os filhos, com quem nenhum dos dois quer conversar sobre o assunto, simplesmente copiam os discursos dos pais e preocupam-se com coisas mais cotidianas, como conseguir o dinheiro da balada ou aprender a “pegar mulher”.
A rotina e os diálogos são especialmente bem desenhados, já que Barbosa, admitidamente, se inspirou na própria família para construir a história. Compreender, portanto, que a caricatura que vemos em tela é mais uma autocrítica do que um “dedo na ferida dos outros”, faz toda a diferença aqui.
O longa segue o ponto de vista de Jean (Thales Cavalcanti), o filho mais velho. Aluno de um colégio só de meninos, ele sonha em conquistar uma garota (qualquer uma) – mas, por enquanto, só conseguiu perder a virgindade com uma prostituta.
Ele também tem certas liberdades com uma das empregadas, Rita (Clarissa Pinheiro), e é a ela e aos outros funcionários que o menino recorre quando precisa de conselhos. Sua relação com os pais se resume a discutir notas e vestibular, por isso, quando as demissões começam a acontecer, o adolescente entra numa crise emocional.
O pai, interpretado por Marcello Novaes, é de longe o personagem mais interessante: orgulhoso, recusa-se a aceitar trabalhos com certas pessoas e, mesmo endividado, continua mantendo a fachada de homem bem sucedido. Para isso, ele se agarra como um animal desesperado a qualquer direito que acredite ter – desde estacionar onde quiser até ter seu filho na faculdade sem a concorrência “injusta” das cotas raciais.
Outra figura que se destaca é a da estudante Luísa (Bruna Amaya), que Jean conhece no ônibus e por quem se apaixona. Filha de mulata e japonês, ela estuda em escola pública e pode ser beneficiada pelo mesmo sistema de cotas que o pai do menino (e ele próprio, mesmo que não admita diante dela) tanto abomina.
É interessante observar que, enquanto ele deixa de lado todas as opiniões que aprendeu com os pais (com os quais nem sabe se concorda, e nem se importa em questionar) em nome de uma experiência amorosa, ela não deixa que o romance interfira em suas ideias e seus objetivos de vida (que são seus, de fato).
“Casa Grande”, que estreia no dia 16 de abril, é uma experiência propositalmente incômoda para o espectador de classe média, que, mesmo que não se reconheça no exagero daqueles personagens, não tenha empregados nem more numa mansão, poderá encontrar ali detalhes de sua vida particular. Se não encontrar, tudo bem: seu ingresso ainda assim lhe dará a chance de ver um recorte importante do cotidiano deste país.
Por Juliana Varella
Atualizado em 14 Abr 2015.