Falta pouco para que o novo longa de Luc Besson, “Lucy”, faça sua estreia no Brasil. A expectativa é grande, seja pela presença da bela e polêmica Scarlett Johansson, seja pela mistura apetitosa de ação e ficção científica. Coisas que Besson domina de olhos fechados.
O diretor francês tem um histórico positivo com personagens como Lucy: desde “Nikita – Criada Para Matar”, em 1990, seus filmes quase sempre esbanjaram mulheres fortes, independentes e sensuais em papéis de destaque. Por conta disso, seu público é numeroso tanto entre homens quanto entre mulheres, normalmente negligenciadas pelo cinema de ação.
Não que Besson tenha uma visão propriamente feminista – sua preferência por atrizes jovens, belas e encorpadas deixa isso bem claro (ele, inclusive, se casou com duas delas, Anne Parillaud e Milla Jovovich). Suas heroínas, entretanto, não se contentam com roupas justas e armas de fogo: elas são personagens pensantes, com interesses próprios e objetivos que vão muito além de conquistar os homens ao seu redor.
O que faz de Besson um diretor tão diferente de colegas como Michael Bay e Zack Snyder (e até de grandes nomes como George Lucas e Clint Eastwood) é que ele não precisa se esforçar tanto para encontrar espaço para as mulheres em seus filmes. Sua presença é natural, não uma anomalia, como Hollywood às vezes faz crer.
Isso faz todo o sentido quando nos lembramos de que, apesar de fazer um cinema que “lembra Hollywood” e de frequentemente escalar atores americanos, Besson é francês e morou na Grécia, Bulgária e na extinta Iugoslávia antes de passar três anos nos Estados Unidos e, finalmente, voltar à França. O cinema europeu, em particular o francês, tem uma relação bem menos problemática com a figura da mulher, pelo menos diante das câmeras (atrás delas, a porcentagem de diretoras ainda é de apenas 23%*, contra ainda mais espantosos 9% nos EUA**).
Estatísticas à parte, o fato é que Besson parece ter uma admiração genuína pelo feminino. Suas personagens, mesmo quando não são protagonistas, são sempre tão interessantes quanto os homens, como acontece em “A Família”, em que Michelle Pfeiffer é uma mafiosa tão perigosa quanto o marido (Robert De Niro). O mesmo vale para “O Quinto Elemento”, em que Milla Jovovich interpreta a excêntrica Leeloo, que não apenas guia o herói (Bruce Willis), como tem um papel central na resolução do quebra-cabeça. Milla trabalhou novamente com o diretor em “Joana D’Arc”, dois anos depois, numa personagem ainda mais forte.
Em papéis centrais, a heroína mais conhecida de Besson é, sem dúvida, Nikita. O filme deu outro sentido ao conceito de femme fatale e trouxe uma mulher viciada e criminosa ao papel principal. Interpretada por Anne Parillaud, Nikita ganha uma segunda chance e é treinada como assassina-espiã para o governo francês. Seu papel é classicamente masculino, mas ela não age nem como homem, nem como objeto sexual – novidade que caiu como uma bomba para o público feminino.
Outra personagem que deu o que falar foi Mathilda, vivida por uma recém-descoberta Natalie Portman em 1994 em “O Profissional”. O protagonista é León, vivido por Jean Reno, mas os dois dividem a tela com igual intensidade. Mathilda é uma menina de 11 anos que perdeu sua família (já desestruturada) e quer aprender a ser uma assassina profissional, como ele.
Afastando-se do cinema de ação, Besson lançou em 2005 o curioso “Angel-A”, filme em preto-e-branco sobre um homem cuja vida é, de certa forma, salva por uma mulher. Seu protagonista tem uma péssima auto-estima, mas aprende a gostar de si mesmo quando descobre que Angela, a bela mulher ao seu lado, é na verdade um anjo – e, mais do que isso, como afirmou o cineasta em diversas entrevistas, ela representa ele mesmo, por dentro.
Ao colocar uma identidade feminina dentro de um personagem masculino (e acima dele, no sentido de guiá-lo), o diretor está considerando a feminilidade como algo positivo, que não elimina o masculino, mas o completa e o compreende. Não há nada mais feminista do que essa ideia, que permeia todo o trabalho de Besson.
Nos últimos anos, o cineasta ainda levou aos cinemas a biografia de Aung San Suu Kyi (Michelle Yeoh) em “Além da Liberdade”. Doce e determinada, ela foi uma figura importante na democratização da Birmânia, enfrentou a ditadura e ganhou o prêmio Nobel da Paz.
Quem também passou brevemente pela filmografia do francês foi Madonna. Em 2009, o diretor comandou um videoclipe (“Love Profusion”) em que cerca a artista de flores e água. Com esse vídeo, radicalmente diferente do padrão agressivo-sensual da cantora (e da maioria das cantoras pop), Besson devolve a ela uma delicadeza que parecia perdida, destacando a personagem como mulher e não como mais um objeto da indústria fonográfica e televisiva.
Completando a lista de heroínas, “Lucy” chega ao Brasil no dia 28 de agosto, com a história de uma garota pega num esquema de tráfico, que acaba dando a volta por cima ao ter contato com a droga que transportava: um composto capaz de liberar 100% do funcionamento do cérebro. Agora imagine: se Nikita, Mathilda e Leelo fizeram tudo o que fizeram só com uma pequena porcentagem, imagine o que Lucy não poderá fazer com você.
* Segundo pesquisa do Centre National du Cinéma
**Segundo pesquisa do New York Film Academy
Por Juliana Varella
Atualizado em 13 Ago 2014.