Daniel Craig está cansado de ser James Bond. Numa entrevista recente à revista Time Out, o ator afirmou que não aguentava mais viver o papel do assassino mulherengo mais famoso dos cinemas e que preferiria “cortar os pulsos” a começar outro 007 naquele momento. Não que isso signifique muito: ele tinha acabado de encerrar as gravações e estava exausto.
Craig pode não ter abandonado o barco ainda (ele admite a possibilidade de fazer um próximo Bond apenas pelo dinheiro), mas está claro que sua cabeça e seu coração não estão mais na franquia. Em “007 Contra Spectre”, a apatia é evidente: falta emoção, falta criatividade, falta tudo. E sobram todos os clichês que, até então, tinham conseguido se manter afastados da “era Craig”.
O Bond que vemos na tela não é mais o personagem soturno dos últimos filmes – aquele valentão que encarava a própria maturidade com amargor e permitia-se sentir dor e medo enquanto destruía alguns carros, vestia ternos incríveis e dormia com dezenas de mulheres maravilhosas. Neste, ele só destrói carros, veste ternos incríveis e dorme com mulheres maravilhosas (a principal, inclusive, tem metade da sua idade, mas vou tentar terminar esta crítica sem abordar os problemas sexistas do filme, pois isso daria outro texto completo). Enfim, ele faz tudo o que James Bond sempre fez, mas sem a ousadia e sem a complexidade emocional que fizeram de Craig o protagonista mais interessante da série em muitos anos.
A história, escrita a oito mãos, não é lá muito nova: Bond recebe pistas de M (Judi Dench) após a sua morte que levam a uma organização chamada Spectre. Enquanto isso, o programa 00 é colocado em cheque pelo novo Secretário de Segurança (Andrew Scott, o Moriarty de “Sherlock”), que conspira para eliminá-lo enquanto implementa um sistema de vigilância internacional. Ou seja, Bond terá que agir sozinho e clandestinamente, como sempre fez.
Se o roteiro está soando familiar, é porque você provavelmente já assistiu a outro filme com a mesma história neste ano: “Missão: Impossível – Nação Secreta”. Ethan Hunt também precisou agir em segredo quando sua organização foi fechada e também encontrou um inimigo que, de alguma forma, vinha do passado. A grande diferença entre os dois é que aquele explorou trabalho em equipe, teve uma protagonista feminina forte e soube dosar a tradição com a novidade.
Comparações à parte, é verdade que também existe uma equipe ao lado de Bond: Q (Ben Whishaw), Moneypenny (Naomi Harris) e o novo M (Ralph Fiennes) são o melhor do filme, trabalhando contra as autoridades e defendendo uns aos outros como uma família. Pena que Bond mal os percebe.
O filme tem muitos problemas além da falta de interesse de Craig. O roteiro, preguiçoso, resgata retalhos dos filmes anteriores e constrói um vilão genérico para amarrar todos os outros. Além disso, traz novas informações sobre a infância do herói como se isso fosse dar sentido a tudo o que aconteceu até ali. Mas não é esse o efeito: jogado de repente e sem a correspondência emocional de Bond, esse passado parece forçado, assim como a dupla de vilões interpretados por Christoph Waltz e Scott – espertinhos e sorridentes como em todos os seus papéis. Não me levem a mal, eles são ótimos atores, mas parecem funcionar no modo automático em “Spectre”, entregando apenas o que você já espera deles, quiçá um pouco menos.
Além do reaproveitamento de outros filmes, “Spectre” recupera antigos clichês da série, tornando-se quase uma sátira de si mesmo. Há uma bomba-relógio em contagem regressiva. Há um momento em que o protagonista precisa escolher entre salvar a si mesmo ou tentar salvar a mocinha. Há uma mocinha que parece valente, mas precisa ser resgatada no final (desculpem, não resisti). Há um personagem que morre caindo de um prédio. Há uma luta num helicóptero. O vilão é um sádico que gosta de explicar suas intenções antes de agir. É déja-vu atrás de déja-vu.
O filme também traz algumas surpresas cômicas, deslocadas em meio a tanto tiroteio: logo no início, Bond tenta escapar de um edifício desabando e cai, sentado, num sofá, ajeitando o terno como se nada tivesse acontecido – é um 007 das antigas. Mais para o final, o herói faz uma saída triunfal, desfilando em direção à dama enquanto arremessa a arma para o lado. Parece piada, mas não é: é Bond abraçando os próprios estereótipos como há muito tempo não víamos.
O resultado de tudo isso pode ser o melhor ou o pior 007 dos últimos tempos, dependendo do quanto você compra a ideia. Este não é um “Craig”, nem parece um “Sam Mendes”, mas, definitivamente, é um 007. Infelizmente (ou não), ele parece ter regredido do século XXI de volta aos primórdios do XX, quando direitos humanos, feminismo e espírito colaborativo ainda eram conceitos inimagináveis.
Por Juliana Varella
Atualizado em 7 Nov 2015.