Até que ponto uma adaptação pode ser chamada de “adaptação” se, no caminho para as telas, perderam-se se a trama, os personagens e até a essência do material original? “Alice Através do Espelho”, sequência de “Alice no País das Maravilhas” (2010) que chega aos cinemas no dia 26 de maio, pega emprestado de Lewis Carroll o título de uma de suas histórias mais famosas só para depois ignorar, veementemente, todo o resto.
O longa de 2010, dirigido por Tim Burton, já se afastara bastante da obra de Carroll, escolhendo retratar Alice como uma mulher adulta e não como uma criança curiosa. Além disso, as desventuras da protagonista – sempre relacionadas a truques de linguagem, no livro – foram transformadas numa aventura hollywoodiana com todas as pompas, da trilha épica às armaduras e espadas.
“Através do Espelho”, de James Bobin, se passa alguns anos depois. Alice (Mia Wasikowska) tornou-se comandante do navio de seu falecido pai e, de volta a Londres após rodar o mundo, descobre que sua mãe está prestes a assinar um acordo que cederá o navio em troca da hipoteca da casa.
Mais uma vez interrompida antes de tomar uma decisão importante (no primeiro filme, ela estava para se casar), Alice reencontra a Lagarta (voz de Alan Rickman, falecido em janeiro deste ano), agora uma borboleta, e a segue através de um espelho que a leva ao País das Maravilhas. Lá, ela descobre que o Chapeleiro (Johnny Depp, em sua pior atuação desde “Sombras da Noite”) está deprimido e que (adivinhem?) ela é a única que pode ajudá-lo.
Para isso, ela é convencida a roubar a “cronosfera” – uma espécie de máquina do tempo que funciona (adivinhem de novo?) como um navio – de dentro do castelo do próprio Tempo (Sacha Baron Cohen). Ignorando o aviso de que a ausência da esfera destruiria toda a História, ela começa suas viagens ao passado.
“Alice através do tempo” teria sido um título mais honesto com Carroll e com o público. A protagonista, afinal, passa grande parte do filme viajando para diversos pontos do passado, revelando ao público curiosidades sobre a infância das duas rainhas e do Chapeleiro. Esse, aliás, parece ser o objetivo do filme: explorar fofocas sobre personagens secundários como forma de compensar a falta de um enredo propriamente dito.
Entre uma viagem e outra, Alice também precisa lidar com sua vida “real” – maçante até para o espectador mais esforçado. Como forma de mostrar que o filme está “antenado” com questões atuais, praticamente todos os coadjuvantes nessa realidade precisam dizer, com todas as palavras, que Alice não age como se espera de uma mulher.
Esse didatismo se estende a quase todo o roteiro. Em certo momento, por exemplo, vemos um exército de cartas capturar um personagem. O público já sabe que as cartas são soldados da Rainha Vermelha, mas, mesmo assim, a sequência mostra a Rainha rindo maleficamente e Alice diz: “a Rainha o capturou”.
Se, em 2010, o visual ultracolorido e as proporções distorcidas ajudaram a impulsionar o filme de Burton, hoje isso já não causa o mesmo impacto. Apesar de bonito, o longa de Bobin não traz nenhuma novidade capaz de impressionar o espectador e, para piorar, ainda sofre com erros grosseiros de continuidade e de lógica. Na sessão exibida para a imprensa, o áudio também foi um ponto bastante negativo, alto demais em alguns momentos.
“Alice Através do Espelho” deve levar aos cinemas o mesmo público que se encantou com o longa anterior, junto com uma leva de novos espectadores encantados com os belos trailers divulgados pela Walt Disney. Quantos destes sairão satisfeitos, porém, é o que definirá se este será o último ou apenas mais um título numa nova e duradoura franquia.
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Por Juliana Varella
Atualizado em 25 Mai 2016.