“Garota Sombria Caminha Pela Noite” já é um clássico. Escrito e dirigido pela iraniana Ana Lily Amirpour, o longa que estreia no Brasil no dia 17 de dezembro (encarando a concorrência pesada de “Star Wars: O Despertar da Força”) é uma obra obrigatória para quem gosta de cinema de arte e procura algo fresco e diferente.
O filme tem vampiros e assassinatos, mas seria simplista rotulá-lo como horror. Há um clima noir, algo de faroeste (especialmente na trilha, que também aposta em rock n’ roll e pop oitentista) e uma tensão latente que lembra “Deixa Ela Entrar”, de Tomas Alfredson. O estilo blasé dos personagens traz à mente o também vampiresco “Amantes Eternos”, de Jim Jarmusch, mas todas essas referências são apenas vultos reconhecíveis num conjunto que, à sua moda, não se parece realmente com nada.
Parte da estranheza vem do fato de que, apesar de iraniano na alma (com roteiro, direção, elenco e língua), “Garota Sombria” é uma produção norte-americana, com referências bastante hollywoodianas. Soma-se a isso o fato de o tempo não ser definido, assim como o lugar: fitas cassetes e celulares antigos convivem com carros dos anos 50 ou 60 e a cidade é chamada, simplesmente, de “bad city”. O resultado dessa mistura é um filme para devorar com olhos e ouvidos e, depois, digerir lentamente.
A garota do título é uma vampira vivida por Sheila Vand (americana de origem iraniana), que não tem nome. Solitária e silenciosa, ela observa pessoas nas ruas à noite vestida com um véu da cabeça aos pés – coincidência ou não, esse figurino a deixa muito parecida com o personagem No Face, de “A Viagem de Chihiro”, uma criatura sem identidade que devora objetos e pessoas, quase como um vampiro. Durante esses passeios noturnos, ela caça, com particular entusiasmo, os homens que maltratam mulheres, sem poupar crianças (futuros molestadores) nem idosos.
Seguindo a tendência do cinema mundial em 2015, “Garota Sombria” traz uma forte mensagem de empodeiramento feminino, mas o recado não é mero fruto do momento: histórias de abuso são comuns no cinema iraniano, gestado numa sociedade patriarcal e opressora. O interessante é que a vampira de “Garota Sombria” não é apenas uma justiceira, mas uma heroína violenta e sem escrúpulos, que ouve Lionel Richie, dança sozinha e anda de skate pelas ruas da “Bad City”. Qualquer estereótipo é quebrado em segundos.
Além disso, não é só a vampira que aterroriza a cidade. Existe uma vala cheia de corpos expostos que ninguém questiona. Há uma cultura de tráfico e violência – da qual, inclusive, o interesse amoroso da protagonista (Arash Marandi), um perfeito “James Dean” iraniano, participa ativamente. O romance entre os dois funciona tão bem que rende uma das cenas mais encantadoras do cinema recente: quando eles se apaixonam sem trocar uma palavra sob um globo espelhado no quarto dela.
“Garota Sombria” tem pouco mais de uma hora e meia, é em preto e branco e tem um ritmo hipnotizante. Há momentos de interlúdio – como o que se sucede ao primeiro ataque da vampira -, mas logo novos conflitos se colocam e os nervos voltam a tensionar, até o minuto final. O encerramento é brilhante. Não perca.
Por Juliana Varella
Atualizado em 10 Dez 2015.