O que se passa na imaginação sórdida de um diretor de cinema? Em “Meu Amigo Hindu”, temos a chance de mergulhar nas fantasias do argentino naturalizado brasileiro Hector Babenco, que relembra sua luta contra um câncer e reflete sobre seu amor ao cinema – no que jura não ser uma autobiografia.
Para saber o que esperar de “Meu Amigo Hindu”, imagine a seguinte cena: Diego (Willem Dafoe) acaba de descobrir que tem um câncer em fase terminal. Ele desconta sua raiva na esposa (Maria Fernanda Cândido), dizendo que preferia que fosse ela a morrer, desce do carro no meio do trânsito e passa a perseguir uma mulher na rua, vestida com tecidos indianos. Ele invade sua casa, admite estar morrendo e ela tenta acalmá-lo com uma reza. Não satisfeito, ele a despe e ela aceita confortá-lo com um sexo oral.
A cena não faz sentido, mas entendemos, mais tarde, que faz parte de um filme escrito por Diego (também um diretor de cinema) sobre a própria vida. É assim, de forma egocêntrica e fetichista, que ele enxerga o mundo à sua volta. As fantasias vão longe: uma atriz implora para estar em seu filme (e tem um destino parecido com o da primeira moça); uma prostituta se masturba com um vibrador enquanto o cineasta sai do quarto, deixando a porta escancarada (e ela não para); outra atriz (Bárbara Paz) dança de camisola molhada sob a chuva, num show particular só para ele.
Mas não são só fantasias sexuais. Diego também conversa com a Morte (Selton Mello, irônico e muito engraçado no papel), numa referência óbvia ao clássico “O Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman. Os dois, inclusive, jogam xadrez como forma de adiar o julgamento final, como fizeram Max Von Sydow e Bengt Ekerot em 1957.
No meio do tratamento, Diego também conhece um garotinho hindu, a quem começa a contar as histórias dos filmes que ama, numa sala de espera do hospital. Esses encontros o fazem recuperar a vontade de escrever e, de certa forma, salvam sua vida – mas não o tornam menos arrogante.
O filme todo é falado em inglês, por mais que grande parte da história se passe no Brasil e que a maioria dos personagens sejam brasileiros. Ironicamente, o protagonista, apesar do nome, é americano. A escolha da língua, segundo o diretor, se deu primeiramente porque a história seria “universal”, sem uma ambientação específica (o que é questionável, já que nome do país é citado) e, em segundo lugar, por causa do ator principal, que não falava português. Dafoe, de fato, faz a diferença no longa.
“Meu Amigo Hindu” estreia nos cinemas no dia 3 de março.
Por Juliana Varella
Atualizado em 25 Fev 2016.