Um filme dos irmãos Ethan e Joel Coen nunca é, apenas, um filme: é um manifesto. A dupla que trouxe aos cinemas alguns dos mais impactantes (e, por vezes, estranhos) filmes desta geração, como “O Grande Lebowski”, “Queime Depois de Ler”, “Onde Os Fracos Não Têm Vez”, e “Inside Llewyn Davis”, faz agora uma sarcástica e apaixonada ode ao cinema no longa que estreia no dia 14 de abril: “Ave, César!”.
A primeira impressão que se tem sobre “Ave, César!” é que se trata de uma comédia, uma sátira do universo cheio de egos e intrigas que é um estúdio de cinema. De fato, estão lá os atores famosos com segredos sujos, os caipiras deslumbrados, a atriz que engravida e não sabe quem é o pai, a repórter do tabloide (e a outra, que se diz “uma jornalista séria”, mas busca os mesmos furos) e todo aquele circo que conhecemos por Hollywood.
E estão lá grande parte das estrelas do cinema atual: George Clooney, Josh Brolin, Scarlett Johansson, Channing Tatum, Tilda Swinton, Ralph Fiennes, Frances McDormand (responsável pela melhor sequência do filme), Jonah Hill, Christopher Lambert e o ainda não tão conhecido Alden Ehrenreich, que carrega um dos papéis principais. Para onde se olha, enfim, há um rosto conhecido – e algo me diz que não é por acaso.
O filme não se resume, contudo, a uma grande piada interna. Para falar de cinema, “Ave, César” passeia por diversos gêneros e os abraça com unhas e dentes: entram em cena grandes momentos de comédia, drama, musical, noir e até um pouco de romance – tanto dentro das produções do estúdio onde se passa a história, quanto na narrativa principal.
Os Coen também aproveitam a oportunidade para fazer algumas críticas sérias: em particular, ao comunismo. O filme, como o excelente “Trumbo” (2015), se passa nos anos 50 e aborda um certo “mal estar” que se deu naquela época entre os roteiristas, acusados de inserirem mensagens comunistas nos filmes, e os estúdios de Hollywood.
Aqui, um grupo deles se identifica abertamente com o partido russo e reclama da falta de reconhecimento dos estúdios pelo seu trabalho. O discurso político, porém, é rapidamente ofuscado pela ingenuidade desses personagens, que, como os escravos do filme que o ator Baird Whitlock (Clooney) está gravando - o tal “Ave, César!” do título-, obedecem cegamente a um líder que não lhes dá nada em troca.
O filme usa essa visão comunista para provocar uma crise de fé num dos personagens, fazendo-o questionar se o estúdio estaria ou não explorando seus funcionários e se os filmes que eles fazem seriam mesmo instrumentos de manipulação e manutenção do status quo. O interessante é que, mesmo que essa questão seja colocada de forma tão cômica, há um fundo de verdade que provoca o espectador.
Outro protagonista – o executivo do estúdio interpretado por Josh Brolin – também tem seus sentimentos pela profissão colocados à prova, depois de receber uma proposta de emprego de uma empresa de aviação (interessada em transportar bombas de hidrogênio). Do outro lado da mesa, um homem alega que “o cinema não é uma indústria séria”, que “filmes são frívolos” e que “com a chegada da televisão, ninguém mais vai querer assistir a filmes”. 60 anos depois, ainda estamos falando sobre eles.
Se há um defeito em “Ave, César!” que pode custar o coração do público, é que o filme termina num tom decrescente. Depois de tantos momentos de tensão e expectativa, de tantas sacadas hilárias e de tantos questionamentos, o fechamento da história é, apenas, uma espécie de retorno à estaca zero – como, aliás, é bem comum nos trabalhos dos irmãos. Há, sim, a sugestão suave de mudança numa palavra gaguejada ou num suspiro mais profundo, mas os segundos finais, simplesmente, não dão ao espectador um sentimento de satisfação. Apesar de tudo, faltou alguma coisa... Talvez um simples e tradicional “O Fim”.
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Por Juliana Varella
Atualizado em 10 Mai 2016.