Quentin Tarantino não é de fugir de polêmicas, mas, quando seu novo filme, “Os Oito Odiados”, estrear, é bom que ele esteja preparado. O diretor americano, que tem uma tendência a usar a palavra “nigger” como se fosse “bom dia”, volta a trabalhar o conflito entre brancos e negros num faroeste cheio de violência, humor e alguns diálogos ultrajantes.
“Os Oito Odiados” conta a história de dois caçadores de recompensas, John Ruth (Kurt Russell) e Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson), que tentam levar suas vítimas para a prisão de Red Rock, onde receberão o dinheiro. O problema é que uma delas, a louca e agressiva Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh), ainda está viva, e Ruth pretende mantê-la assim até chegarem ao destino. No caminho, os três ainda encontram Chris Mannix (Walton Goggins), um homem que diz ser xerife e que pega carona com eles.
O grupo é surpreendido por uma nevasca e decide se hospedar numa pequena pousada no meio da estrada. Misteriosamente, os donos não estão e o lugar está ocupado por outros quatro homens: Bob (Demian Bichir), Oswaldo Mobray (Tim Roth), Joe Gage (Michael Madsen) e o general Sandy Smithers (Bruce Dern). Como a ventania se agrava, os oito (mais o cocheiro O.B., vivido por James Sparks) concordam em passar as próximas horas juntos, confinados numa sala fechada como uma panela de pressão.
O filme segue a tradição claustrofóbica de obras como “Deus da Carnificina” (2011) e “O Anjo Extreminador” (1962), mas, segundo o diretor, a inspiração veio de “O Enigma do Outro Mundo” (1982), onde buscou o nível de tensão e paranoia necessários a estes personagens. Em “Os Oito Odiados”, como no filme de John Carpenter, ninguém é confiável.
Tarantino conduz seus atores com um roteiro forte e uma safra de falas marcantes que não devem demorar a virar jargões, mas as três horas e dois minutos de duração pesam bastante no resultado final. O filme é o mais longo já feito por Tarantino (com exceção, é claro, de “Kill Bill”, se somarmos os dois filmes) e o ritmo não é o mesmo de seus maiores sucessos.
A preciosidade que levou o cineasta a manter um corte tão longo permitiu que alguns diálogos se tornassem didáticos ou redundantes e que o silêncio de algumas cenas (especialmente no início) ultrapassasse o limite do poético e dispersasse a atenção do público. Essa falha, felizmente, é compensada na segunda parte, quando a adrenalina toma conta da pousada.
O que realmente incomoda em “Os Oito Odiados” não é o tempo, mas sim o quanto Tarantino se esforça para chocar. Já sabemos que seus filmes são violentos, mas aqui ele aproxima mais a câmera para mostrar cabeças explodindo. Já sabemos que ele defende uma espécie de “vingança racial”, mas aqui ele transforma o negro num sádico abusador de brancos. Já sabemos que ele quer mostrar mulheres fortes, mas aqui sua protagonista apanha brutalmente a cada frase que pronuncia. O exagero, que em “Kill Bill” ou “Bastardos Inglórios” foi base para um humor sarcástico e autêntico, aqui passa do limite e beira o mau gosto. Teria o diretor se conformado com o estereótipo de “provocador”?
É evidente que “Os Oito Odiados” não faz tudo isso por acaso. A discussão racial tem sido pauta do trabalho de Tarantino desde “Jackie Brown”, quando iniciou uma rixa com o também diretor Spike Lee, que dura até hoje. O cineasta ainda afirmou, em coletiva no Brasil, que tem insistido no faroeste porque “a forma como lida com a questão da raça tem algo a contribuir para o gênero”.
Há ainda uma segunda questão a se considerar na forma como Tarantino aborda a violência e os conflitos raciais neste filme em particular. Recentemente, o diretor participou de manifestações contra a truculência da polícia norte-americana, especialmente contra a população negra, e recebeu, em troca, ameaças de boicote e “outras surpresas” por parte dos policiais. A tensão que dominou este ano nas ruas, portanto, se reflete na violência descontrolada que vemos na tela.
“Os Oito Odiados” tem uma angústia a expressar e uma crítica a fazer, mas isso não justifica, de todo, a falta de equilíbrio do filme. Falta uma edição mais enxuta e uma história mais coesa, sobram pequenos detalhes mal explicados (como o fato de Warren não saber quem é Domergue, ou dos “oito” não ficarem bem definidos). Como um estudo de personagens sob pressão, é uma obra exemplar. Como o oitavo filme de Quentin Tarantino, poderia ser melhor.
Por Juliana Varella
Atualizado em 9 Jan 2016.