Algumas histórias nem parecem pertencer ao século XXI, mas conhecê-las é tão chocante quanto essencial. Do mesmo diretor de “Uma Verdade Inconveniente” (Davis Guggenheim), o documentário “Malala” chega aos cinemas no dia 19 de novembro, revelando a trajetória de Malala Yousafzai: uma garota paquistanesa que usou sua voz para lutar pelo direito de meninas irem à escola, numa comunidade oprimida pelo Talibã.
O filme não segue uma narrativa linear, nem tem o formato clássico (e por vezes enfadonho) de um documentário. Guggenheim explora animações para ilustrar e dar novos sentidos a diversas partes da história, traça paralelos inesperados e contextualiza a situação de forma que Malala se torna apenas uma peça de um quebra-cabeças muito maior.
Logo no início, ficamos sabendo que Malala levou um tiro na cabeça e que, hoje, vive na Inglaterra porque não pode voltar ao seu país. Ela sabe que, se voltar, será assassinada pelo Talibã. Mas o motivo exato para esse ataque só é revelado no final, após uma retrospectiva completa que começa pela escolha do seu nome.
Dar tanta atenção ao nome da personagem (o título original é “He Named Me Malala”, ou “Ele Me Chamou de Malala”) foi um toque muito delicado e inteligente. “Malala”, afinal, foi inspirado no nome de uma jovem afegã que, segundo se conta, liderou o exército local numa batalha contra os ingleses e morreu no processo. A Malala dos dias de hoje não morreu, mas passou muito perto disso.
O processo de dominação do Talibã no vale do Swat é contado sob o ponto de vista dos moradores: primeiro, surgiu um líder que falava sobre a religião e se dirigia diretamente às mulheres. Sua influência cresceu com base na confiança, antes de evoluir para a violência e os assassinatos. Quando o povo percebeu, já era tarde demais e as ruas já não eram mais um lugar seguro.
A postura contestadora da protagonista não é isolada em sua família e, por isso, a história do seu pai (Ziauddin Yousafzai) é tão importante quanto a dela. Professor e dono de uma pequena escola, foi ele que permitiu e incentivou a filha a estudar desde pequena – coisa que, no Paquistão, não é tão comum entre as mulheres. Também foi ele que a empoderou desde o nascimento, inserindo seu nome na árvore genealógica da família onde, normalmente, apenas os nomes dos homens são escritos.
Como se não bastasse, também foi ele o primeiro a erguer a voz contra o Talibã e sugerir à filha que escrevesse um diário para a BBC, denunciando a situação. Daí para atitudes mais arriscadas e, futuramente, para a criação de uma fundação internacional, foi um pulo.
Além de contar a história de Malala, o filme permite que se reflita sobre outros lugares e pessoas, como os refugiados sírios ou as mulheres africanas – e, se olharmos para mais perto de nós, dá para pensar no recente fechamento de escolas estaduais pelo governo de São Paulo. Direta ou indiretamente, vemos aqui mais um caso de afastamento entre as crianças e os estudos, causa pela qual a vencedora do Nobel vem lutando diariamente desde que foi proibida de frequentar a escola em sua cidade-natal.
Em tempos em que as vozes femininas estão mais altas do que nunca (mesmo que ainda se tentem abafá-las aqui e ali), “Malala” é um filme obrigatório. Atual e, ao mesmo tempo, atemporal, o documentário alerta para a toxicidade dos discursos que nos cercam e lembra que eles precisam ser rebatidos – mesmo que isso leve tempo e possa ter um preço muito caro.
Por Juliana Varella
Atualizado em 6 Nov 2015.