Ana e Fábio estão casados há vinte anos e decidem se separar. Os dois ainda são amigos e ela, inclusive, ajuda a organizar o apartamento para onde ele se muda. O problema é que ele fica, literalmente, em frente ao seu.
“De Onde Eu Te Vejo” é um filme diferente, como se percebe quando seus protagonistas começam a gritar pelas janelas. Dirigido por Luiz Villaça, o longa flerta com a comédia, o romance e o drama, mas não se encontra em nenhuma das categorias. Se for para rotular, sugere o diretor, então que seja “comédia sentimental”. Que seja.
Comédia ou não, o fato é que o filme toca em muitas notas emocionais, especialmente para o público paulistano. Ao contrário de outros títulos que tentaram exaltar a cidade, este não se esforça demais para captar estereótipos e cartões-postais, mas mostra a São Paulo de quem vive sua arquitetura: no lugar do MASP, a Praça do Ciclista; no lugar do Teatro Municipal, o Marabá.
Denise Fraga e Domingos Montagner interpretam o casal em crise, com um misto bem dosado de humor e seriedade. Entre suas enormes janelas de Higienópolis, eles trocam farpas, guardam segredos, provocam ciúmes e compartilham a dor pela partida da filha, que vai estudar em Botucatu.
É Ana (Fraga) quem narra a história, conversando às vezes diretamente com o público e invocando memórias conforme lhe convém. A memória, aliás, é algo tão importante no filme que percorre todos os elementos – o casamento, a cidade, os cinemas de rua, uma cantina italiana. A destruição e a construção do novo são mostrados como forças inevitáveis, mas, ao mesmo tempo, os personagens lutam para resgatar sua história, sempre conectada com lugares específicos.
É interessante notar que os protagonistas são, na verdade, estrangeiros: Ana veio do Rio para ser arquiteta, enquanto Fábio (Montagner) veio de Ribeirão Preto para ser jornalista. Ele ainda trabalha num jornal tradicional no centro da cidade, mas ela abandonou o sonho e agora negocia com casas tradicionais para que sejam demolidas e deem lugar a prédios. Que ironia, não?
Um dos pontos fortes do longa de Villaça é que tudo tem uma função narrativa. Se Ana vive uma frustração profissional, é porque isso muda sua relação com a cidade e, consequentemente, com o próprio casamento. No caso de Fábio, a escolha pelo jornalismo impresso também não é arbitrária: a profissão vive uma crise que dialoga de perto com os temas do filme: tempo, transformação, adaptação.
Três outros personagens ajudam a dar leveza à história e prometem competir pelo posto de queridinhos do público. Marisa Orth está impagável como a jornalista Olga, paulista clássica que ama e odeia seu trabalho; Manoela Aliperti (que já provara sua química com Fraga na série “Três Teresas”, da GNT) rouba a cena no papel de Manu, a filha-conselheira de Ana e Fábio; e Marcello Airoldi interpreta o inesquecível pretendente de Ana, mistura de romântico e perseguidor levemente desequilibrado.
Outro ponto alto é o roteiro, assinado por Leonardo Moreira e Rafael Gomes. Graças à dupla, a narração nunca soa excessiva e algumas passagens tendem a ficar na memória por muito tempo – desafio o leitor, por exemplo, a não pensar na “trilha sonora do mundo” quando pisar fora do cinema.
Tudo isso, embalado por uma trilha executada no violão (outro elemento que remete à memória), faz com que “De Onde Eu Te Vejo” seja uma das melhores surpresas do cinema nacional recente. Romântico e engraçado, o filme se distancia das comédias românticas “água-com-açúcar” por não fazer escolhas óbvias e trabalhar seus personagens com densidade. É impossível não se identificar e é ainda mais difícil não sair apaixonado.
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Por Juliana Varella
Atualizado em 10 Abr 2016.