Mate suas coisas queridas, diz o professor. Mate seus impulsos infantis, suas manias, seus ídolos, e recomece. O professor Stevens (John Collum), à frente da turma de calouros na Universidade de Columbia, gostaria que o recomeço seguisse as tradições e a métrica clássica, mas não foi o que aconteceu a Lucien Carr, Allen Ginsberg, William Burroughs e Jack Kerouac naquele ano.
“Versos de um Crime”, que estreia no dia 12 de junho, é uma mistura entre romance biográfico e thriller, que não se encaixa, entretanto, em nenhuma dessas categorias. O longa de estreia de John Krokidas narra com perfeição e detalhes uma fase-chave na história da literatura americana, nos anos 40, quando os principais nomes da geração beat se conheceram e deram os primeiros passos em direção à rebeldia que marcaria seus textos.
O filme fala de literatura como fala de amor, guerra e crime, e o faz com linguagem poética, como a de seus biografados. Desde a fotografia, escurecida e amarelada, até a escolha de cada corte e cada enquadramento (sempre fechado, particular, ora observando os poetas de cima, ora caminhando com eles), tudo é consciente, como uma discreta assonância num verso livre.
Daniel Radcliffe (bem longe do Harry Potter que o consagrou) entrega-se de corpo e alma a Ginsberg, nosso ponto de vista nesta história de amizade, inspiração e assassinato. Um homem morre já na cena inicial – mas, mais do que descobrir o culpado, precisamos entender por quê.
Comecemos, então, por Ginsberg. Educado e cuidadoso com a mãe, louca, o jovem (filho de outro poeta, Louis Ginsberg/David Cross) mal consegue relaxar para comemorar sua entrada na Universidade de Columbia. Lá, encontra uma instituição rígida e tradicional, quebrada apenas pelos surtos de um poeta exibicionista: Lucien Carr.
Interpretado visceralmente por Dane DeHaan, Carr é uma espécie de furacão que suga as energias de quem orbita à sua volta. Ele é sedutor e ambicioso, mas é um poeta apenas nas ideias, pois jamais escreve. Ele é a inspiração rebelde para escritores como Ginsberg, que só precisa de uma brecha no seu círculo de mesmices.
O círculo é a forma que rege o longa, cujo início coincide com o fim. Citado num discurso atribuído a Yeats, ele representa a repetição, a morte e o renascimento – mas diz-se que pode ser ampliado caso um evento quebre o padrão. Carr quebra o padrão de Ginsberg, que mergulha num delírio criativo e transformador (numa sequência deliciosamente provocativa, ao som de jazz); e Ginsberg quebra o de Carr, que é obrigado a amadurecer.
Juntam-se a eles David Kammerer (Michael C. Hall), Kerouac (Jack Huston) e Burroughs (Ben Foster), que logo criam um movimento chamado “Nova Visão”. Sua poética não é exposta nos versos, mas nas ações – como a invasão de uma biblioteca e a destruição de livros clássicos, só para que trechos dispersos sejam colados à parede, formando uma “nova” literatura.
Kammerer logo torna-se uma peça central: apaixonado por Carr, ele parece persegui-lo numa estranha relação de cumplicidade e medo. O personagem foi real e o caso ambíguo entre os dois nunca foi, de fato, desvendado. Na interpretação de Krokidas, as tensões são sexuais, tanto entre Carr e Kammerer quanto entre Carr e Ginsberg – que, sim, protagonizam um beijo bem quente, mesmo que rápido.
“Versos de um Crime” é um filme apaixonado por literatura, que prova em imagens e ações a força das ideias de uma geração de escritores. Para amantes de livros, será um cult. Para fãs de romances trágicos, será, no mínimo, marcante. Para todos os outros, é um filme que impressiona pelo visual, pela música e pelas atuações. Um must.
Assista se você:
- Quer ver grandes interpretações de Radcliffe e DeHaan
- Gosta (muito) de literatura
- Se interessa por crimes passionais e suas nuances
Não assista se você:
- Não se interessa por literatura americana
- Não gosta de filmes biográficos
- Não quer ver um filme com romances homossexuais
Por Juliana Varella
Atualizado em 6 Set 2016.