Guia da Semana

Aconteceu neste final de semana, entre os dias 19 e 20, a terceira edição do The Union – evento que reuniu especialistas em design e efeitos especiais em São Paulo. O Guia da Semana conversou com o designer de criaturas Neville Page para saber como funcionam os bastidores da produção cinematográfica e o que é preciso para ser bem sucedido nessa área.

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Page trabalhou lado-a-lado com grandes diretores como J. J. Abrams, Steven Spielberg e James Cameron e se prepara para lançar a nova superprodução de Darren Aronofsky (de Cisne Negro), o longa bíblico Noé.

Confira a entrevista:

Guia Da Semana: Como é seu dia-a-dia no trabalho?

Neville Page: Cada dia é diferente. Depende se estou trabalhando num filme em que preciso estar no estúdio de filmagem ou se posso trabalhar no meu estúdio. Normalmente, recebo um roteiro e descubro quais são as categorias que irei desenhar – podem ser figurinos, veículos, criaturas... Mas cada diretor tem seu próprio jeito de trabalhar, então você precisa ser muito adaptável.

Por exemplo, com J. J. Abrams: eu trabalho bem próximo dele e passo a maior parte do tempo no set, disponível o tempo todo com meu laptop, esperando um minuto livre para mostrar-lhe algumas ideias. Mas também há outros momentos em que estou no meu estúdio, trabalhando das seis da manhã até a meia-noite, desenhando rascunhos e enviando-os para um cliente em outro continente.

Neville Page

GDS: Como é a relação entre os designers e o diretor?

NP: Acho que todo diretor gosta de trabalhar diretamente com seus artistas, porque dessa forma ele pode articular especificamente o que precisa. Há uma pessoa chamada “designer de produção” que controla o departamento, e é esse indivíduo que filtra as ideias do diretor para a equipe.

É frustrante quando essa pessoa não é especialista na sua área (no caso, sou designer de criaturas), porque algumas coisas se perdem nesse filtro. Mas tenho sorte de estar num ponto da minha carreira em que posso trabalhar ao lado do diretor – por exemplo, com James Cameron em Avatar, ele me dizia especificamente “eu quero isso”, e as chances de meu trabalho o agradar eram muito maiores por que tudo estava muito claro.

GDS: Sabemos que as equipes de cinema são muito numerosas. Como você faz para equilibrar tantos artistas trabalhando num mesmo personagem?

NP: Isso é um problema. Normalmente, há dois cenários para mim: ou sou a única pessoa desenhando o personagem, ou fui contratado para gerenciar o departamento, e me torno aquele designer de produção que filtra as ideias. O que faço é tentar aproveitar a contribuição de todos, com foco no que o diretor quer. Tento não manipular, mas organizar as ideias para que o diretor possa escolher entre elas.

Um aspecto importante quando se é um líder ou gerente é não ter o ego de querer ser o vencedor. A vitória é quando o diretor tem o que ele precisa, não importa de quem venha o desenho. Há muito ego, na vida em geral... Mas no cinema, se sua ideia é escolhida, ela vai para a tela, então há um pouco mais de “fome” por essa vitória.

Avatar

GDS: Como você chegou a ser um designer de criaturas?

NP: Eu sempre quis fazer monstros, mas não havia uma escola ou currículo que desse conta disso. Então decidi estudar design industrial na Art Center College of Design de Los Angeles, Califórnia. Formei-me como designer de produção e comecei a trabalhar desenvolvendo cadeiras de rodas, carros, itens esportivos, capacetes...

Isso me deu uma perspectiva diferente quando cheguei ao cinema, pois, hoje, abordo o design de um ponto de vista de marketing, construção e invenção, e não puramente da criatividade, “vamos fazer algo legal”. Penso de forma biológica, funcional. Isso se revelou muito útil, por exemplo, quando desenhei a cadeira-de-rodas em Avatar ou os equipamentos futuristas em Tron e Oblivion.

GDS: Você tem uma criatura favorita?

NP: Se você tivesse filhos, eu lhe perguntaria qual é seu favorito, porque a relação é mais ou menos a mesma. É claro que, se você tem muitos filhos, uns serão mais difíceis que outros, mas você os amará de qualquer forma.

Eu realmente gostei da criatura de Super 8 e, por mais desafiador que tenha sido o processo, foi uma experiência maravilhosa trabalhar com J. J. Abrams e Steven Spielberg. É um privilégio imenso saber que seu desenho – que poderia ter sido esquecido num caderno de rascunhos – foi alvo de um investimento de centenas de milhares ou milhões de dólares, e que outros artistas investiram seu tempo para tornar sua criatura perfeita na tela.

GDS: Quando você não tem todo esse dinheiro para trabalhar... É possível fazer um bom trabalho?

NP: Acho que você tende a fazer melhor. Quando você tem muito dinheiro, ou tempo, você pode explorar. Mas, quando não tem, você precisa colocar em prática tudo o que há dentro de você de uma vez e estar totalmente focado. Essa energia funciona como um combustível para que você faça seu melhor trabalho.

Russell Crowe em "Noé"

GDS: O que podemos esperar de Noé?

NP: Acabei de terminar Noé com Darren Aronofsky e... Sou parcialmente limitado no que posso dizer. O que eu posso dizer é que eu não desenhei um barco, e eu não desenhei um elefante e uma girafa e um camelo, não fiz nada disso. Há outras coisas no filme que exigiram minhas habilidades, coisas bastante desafiadoras. Imagine pegar o material mais icônico da Bíblia, que todos conhecem há tanto tempo, e ter que reimaginar tanto sua utilidade quanto sua estética? Quero ver o que acontecerá quando as pessoas assistirem ao filme.

GDS: Será chocante?

NP: Acho que será chocante... Não, tenho certeza de que será, mas num sentido positivo.

GDS: O que é preciso para ser um designer em cinema?

NP: Em primeiro lugar, você precisa ser capaz de se comunicar, ser habilidoso, e isso pode ser com desenhos, esculturas, pinturas, como for melhor. Mas o mais importante é ter algo a dizer: viajar, estudar, pesquisar, saber mais sobre a vida, a natureza, física, história da moda, diferenças culturais, religião... Isso é o que alimenta boas ideias.

Por fim, é preciso ter em mente que você foi contratado para tornar realidade a visão de outra pessoa. É um erro comum em jovens artistas pensarem que foram contratados para fazer sua arte – não é sua arte em primeiro lugar. São centenas de pessoas trabalhando para realizar a visão de alguém... Seu design está ali, mas é preciso se desapegar.

Por Juliana Varella

Atualizado em 27 Out 2013.