Comédia romântica ou drama? Ou nada disso? Seja como for, a curiosa história de um casal que se separa, mas continua morando em apartamentos vizinhos em São Paulo, tem conseguido arrancar gargalhadas e lágrimas dos espectadores desde as primeiras sessões de “De Onde Eu Te Vejo”, novo longa de Luiz Villaça que estreia nesta quinta-feira. O Guia da Semana conversou com o diretor e com os protagonistas Denise Fraga e Domingos Montagner e descobriu algumas curiosidades sobre a produção.
“Esse negócio de classificar eu acho uma tragédia” – começou Villaça, quebrando o gelo com sua sinceridade. Bem-humorado (talvez pelas críticas positivas que lera antes da entrevista), ele explicou que não pensa em categorias fechadas, mas sim em algo que se relacione com o público. “Devia ser ‘classificação vida’”, reflete. “Chaplin falava que um drama de perto pode ser uma grande comédia de longe. Então eu acho que o filme tem um pouco disso, que é a zona que eu mais gosto de trabalhar: você ri chorando e chora rindo”.
Fraga, que interpreta a arquiteta Ana, concorda que o filme não se encaixa nos gêneros estabelecidos e sugere outra classificação, cunhada pelo roteirista Rafael Gomes: “é uma comédia sentimental”. De fato, sentimentos não faltam: a atriz, que também é esposa de Villaça, sabe o quão identificável é a história para quem já viveu um relacionamento sério.
O filme traça um paralelo entre a dinâmica da cidade – sempre mutável, em constante demolição e renovação – e a do casamento. “Acho que isso é uma das coisas mais lindas do filme”, derrete-se. “O Luiz [Villaça] queria muito falar dessa coisa do casamento que é a construção... Essa coisa de você ver uma parede cair, mas há que remendar. A Ana vê a mudança e acha que é um sinal de que eles têm que se separar, porque não são mais os mesmos – mas não ser mais os mesmos faz parte de todos nós, de todas as histórias”.
Montagner, que interpreta o marido de Ana, Fábio, acha a relação do casamento com o entorno uma “grande sacada do roteiro” – especialmente para seu personagem, que é jornalista. “O filme coloca essa perspectiva de que a vida muda o tempo inteiro, então ele relaciona com a cidade, com o emprego... E sua profissão mudou significativamente”.
Profissão, essa, que não foi escolhida por acaso. Villaça é um entusiasta do jornalismo e até brinca (com um fundo de verdade) que “não sabe por que não virou jornalista até hoje”. No filme, ele retrata a crise que a categoria vive no momento: “Isso que está acontecendo é muito importante. Estamos vivendo uma mudança, as redações vão sofrendo ao mesmo tempo em que vão sendo abertas outras... Talvez há sei lá quantos anos a gente não estaria aqui” – comenta, referindo-se aos jornalistas presentes na mesa, todos de veículos online.
“Tem uma democratização. Mas existe uma reestruturação que, no caso do personagem dele, caiu como uma luva: um cara que dedicou a vida àquele jornal e que agora sabe que vai haver demissões e ele vai ter que se virar”. Villaça ressalta, porém, que a visão do longa não é saudosista. “É apenas a constatação da mudança. Que é uma coisa que acontece com o cinema também. Até dois mil e poucos você só tinha película e, hoje, tem um filme que estava em cartaz que foi feito em celular [Tangerine, de Sean Baker]. É demais, não é?”.
"De Onde Eu Te Vejo" trabalha muito com esse conflito entre passado e presente, entre as memórias afetivas e a renovação. Além do tema do jornalismo, também há reflexões sobre os cinemas de rua (que, Villaça defende, podem muito bem existir lado a lado com as novas redes de shoppings), sobre a independência dos filhos (no momento de entrada na universidade) e sobre um novo tipo de casal: aquele que também é amigo.
“Eu acho essa ideia de morar perto um sintoma de modernidade”, analisa Fraga. “O próprio fato de os casamentos poderem ser dissolvidos é uma evolução. Dizem que não existe mais casamento como antigamente, mas eu digo que não existe mais submissão feminina como antigamente! É essa a questão”, constata, satisfeita. A atriz ainda compara a relação entre Ana e Fábio através das janelas com as relações mantidas nas redes sociais. “Hoje a gente tem janelas abertas o tempo todo... Não precisa nem morar em frente!”.
Essa “pegada contemporânea” está, também, na trilha sonora, que opta por algo mais simples e de valor emocional. Executada toda no violão, ela surgiu de um dedilhado despretensioso do filho do diretor. “Ouvi meu filho tocando e soube que queria aquilo no filme. Foi uma coisa muito estranha e muito legal para a minha vida, que o filme vai carregar para sempre”.
Tão familiar na concepção quanto no resultado, “De Onde Eu Te Vejo” promete tocar os sentimentos do público a partir do dia 7 de abril, nos cinemas de todo o país. Antes de assistir, aproveite e leia a crítica do Guia da Semana.
Por Juliana Varella
Atualizado em 6 Abr 2016.