Às vezes, uma boa ideia repetida muitas vezes se torna um discurso vazio. A nova franquia adolescente “Divergente”, que chega aos cinemas no dia 17 de abril, parece sofrer com esse mal, apesar das boas intenções. O primeiro filme denuncia, mais uma vez, a opressão dos estereótipos e a tirania que surge do medo, após uma guerra. Ressalta, mais uma vez, o valor da rebeldia juvenil na pele de uma heroína que “não se encaixa”... Mas falta coragem para sair da zona de conforto.
Heróis deslocados existem desde que se criaram os primeiros romances de formação. Holden Caulfield foi expulso da escola e passou três dias vagando sozinho, refletindo sobre a falsidade do mundo em “O Apanhador no Campo de Centeio” (1945). Harry Potter, não muito tempo atrás (na verdade, quase 20 anos), foi salvo de sua família postiça e vestiu o chapéu seletor, apenas para ouvir que não pertencia a nenhuma casa e poderia ser colocado tanto na Grifindória quanto na Sonserina.
É um teste semelhante, mas bem menos mágico, que informa a Beatrice (Shailene Woodley) que ela não tem uma personalidade definida e que, por isso, é uma ameaça. “O futuro depende de pessoas que sabem seu lugar na sociedade”, brada Kate Winslet, interpretando uma ambiciosa líder da facção “erudita” numa Chicago decadente filmada por Neil Burger (“O Ilusionista”).
No filme, como no livro de Veronica Roth, a cidade foi dividida em cinco facções depois que uma guerra quase aniquilou a humanidade: Abnegação, Amizade, Audácia, Franqueza e Erudição. Cada cidadão deve pertencer exclusivamente a uma delas, mesmo que isso signifique dar as costas à sua família.
(Fica aqui um parênteses importante: no site oficial do filme nos EUA, há um “jogo” que incentiva os fãs a categorizarem seus amigos dentro das castas mostradas no filme, e outro que permite ao jovem ser “escolhido” por meio de um teste. A postura da equipe de comunicação do estúdio reflete bem a forma como a maioria dos adolescentes receberão a obra: como um jogo onde “pertencer a um grupo” é mais legal do que ser diferente. Irônico.)
“Saber seu lugar na sociedade” é algo que vem sendo questionado já há algum tempo pelos jovens – vejam as novas profissões criadas após a internet; o aumento na quantidade de freelancers; as mudanças de papéis dentro das famílias e dos casais. O ritual de escolha em “Divergente” faz lembrar o massacrante vestibular pelo qual ainda passam milhares de jovens num mundo em que a faculdade há tempos não determina mais a profissão.
Se a provocação soa um pouco atrasada, sua forma nos cinemas não poderia ser mais atual: há um longo treinamento para a protagonista antes da “guerra” propriamente dita (que acontece, por sua vez, rápido demais); há uma relação forte entre irmãos; há um mocinho com pinta de modelo, porém coadjuvante (Theo James); e há uma heroína com “H” maiúsculo.
Roth lançou o primeiro livro de sua trilogia em 2011, três anos após o início da franquia “Jogos Vorazes” chegar às prateleiras. Os dois integram (e são alguns dos representantes mais fortes de) uma onda de distopias juvenis que se inspiram em antigos clássicos da ficção científica política (George Orwell, Phillip K. Dick, Aldous Huxley). A moda não pegava desde os anos 60, quando “Laranja Mecânica” e “O Caçador de Androides” (que inspirou “Blade Runner”) foram lançados e viraram febre num círculo não tão amplo quanto os novos sucessos.
A volta da literatura revolucionária, em lugar do romance açucarado ou das aventuras fantásticas, sinaliza uma mudança de postura do adolescente, depois de tantos anos de marasmo intelectual. No caso de franquias adaptadas para o cinema, é claro que o fator comercial se sobrepõe, mas ainda é possível espremer algum conceito político entre uma cena de ação e outra. No caso de “Divergente”, contudo, a ação e o romance (mesmo que casto) tomam uma parcela grande demais da discussão, deixando as histórias pessoais cheias de lacunas e o contexto social reduzido a apenas isso – um contexto.
Assista se você:
- Gostou dos livros de Veronica Roth
- Gosta de distopias futuristas
- Quer ver um filme bem feito com uma heroína forte
Não assista se você:
- Espera um filme tão impactante quanto “Jogos Vorazes”
- Espera ver um filme com foco na política, e não no romance
- Não gosta de filmes adolescentes
Por Juliana Varella
Atualizado em 16 Abr 2014.