Você abriria mão de um bônus de mil euros (veja bem: euros) para que sua colega de trabalho – aquela, com quem você nem tem tanta intimidade – pudesse manter o emprego? É esse dilema ético que move “Dois Dias, Uma Noite”, drama dirigido pelos irmãos Dardenne com Marion Cotillard, que concorre ao Oscar de Melhor Atriz.
O filme, é claro, defende o altruísmo e pinta os colegas que preferem o bônus como os vilões egocêntricos, mas há um pouco mais do que certo-e-errado em jogo ali. A personagem de Marion, Sandra, acabou de se recuperar de uma depressão e, pelo que se vê, ainda não se recuperou totalmente. Será que ela está mesmo pronta para trabalhar? Para piorar, ela tem dois filhos e um marido, que, apesar do apoio incondicional, sabe que a relação já teve momentos melhores.
“Dois Dias, Uma Noite” leva esse nome porque é exatamente esse tempo (um fim de semana) que Sandra tem para convencer mais da metade dos colegas a desistirem do bônus. Para isso, ela precisa encarar um por um, expor sua situação e ouvir o que vier – sejam promessas, desculpas ou ameaças.
Alguns casos soam bastante artificiais. Quem iria admitir que prefere reformar a casa a salvar o emprego de outra pessoa? Ninguém gosta de se perceber egoísta, mesmo que todos sejam em alguma medida. Mais provável seria que esses se revelassem na discrição do voto.
A atriz dá intensidade ao filme, percorrendo esse caminho árido sem trilha sonora e quase sem maquiagem. Sua personagem, mais do que uma trabalhadora, é uma mulher insegura, que precisa dessa jornada para se descobrir relevante num meio em que todos são exatamente iguais, dispensáveis como peças repetidas (e justamente por isso competitivos e desconfiados).
“Dois Dias, Uma Noite” passa rapidamente por temas como a violência doméstica e a crise econômica, mas sempre se volta para a questão básica: até que ponto conseguimos nos colocar na posição do outro?
O filme estreia no dia 5 de janeiro nos cinemas.
Por Juliana Varella
Atualizado em 4 Fev 2015.