Foi dada a largada para a 40ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – o evento mais tradicional de cinema da capital paulistana. Este ano, a Mostra traz a mais de 40 endereços uma seleção com 322 filmes, entre pré-estreias, clássicos e outras raridades.
Durante as duas semanas de evento, o Guia da Semana irá acompanhar de perto as principais sessões e, a cada dia, você encontrará neste Dossiê as nossas impressões sobre os filmes. Confira:
Elle
(Elle, Paul Verhoeven, França, Alemanha, Bélgica, 2016)
Avaliação: Excelente
No novo filme de Paul Verhoeven (“Instinto Selvagem”, “RoboCop”), Isabelle Huppert interpreta uma mulher bem sucedida, mas odiada. Dona de uma desenvolvedora de video-games, ela é violentada dentro de sua própria casa e passa a procurar no trabalho, na vizinhança ou entre seus amigos o covarde agressor. Um suspense cheio de sarcasmo, jogos de poder e subversão das expectativas mais instintivas do espectador.
Animais Noturnos
(Nocturnal Animals, Tom Ford, EUA, 2016)
Avaliação: Excelente
O estilista-tornado-diretor Tom Ford, que estreou nos cinemas com “O Direito de Amar”, volta ao ofício com o belo e inquietante “Animais Noturnos”. Amy Adams interpreta uma mulher que conquistou tudo: um casamento (mesmo que fracassado), uma boa carreira (mesmo que infeliz) e uma auto-confiança que está prestes a desmoronar. Um dia, ela recebe o manuscrito do novo romance de seu ex-marido (Jake Gyllenhaal): uma história violenta, sem esperanças e amargamente próxima da realidade que o casal vivera.
Depois da Tempestade
(Umi yori mo mada fukaku, Hirokazu Koreeda, Japão, 2016)
Avaliação: Muito bom
Diretor de “Ninguém Pode Saber” e “Pais e Filhos”, Hirokazu Koreeda, mais uma vez, consegue extrair de situações cotidianas aparentemente banais uma sabedoria profunda sobre família, relacionamentos e as visões de mundo frequentemente opostas de homens e mulheres. “Depois da Tempestade” acompanha um homem que acaba de perder o pai e percebe que está se tornando igual a ele. Separado do próprio filho após um divórcio, ele tenta encontrar o caminho para recuperar os laços com o garoto e a própria auto-estima sem deixar de ser quem ele é.
Las Plantas
(Las Plantas, Roberto Doveris, Chile, 2015)
Avaliação: Bom
Uma jovem de 17 anos cuida do irmão em estado vegetativo, ao mesmo tempo em que começa a explorar sua sexualidade, conhecendo estranhos pela internet. Vencedor do prêmio de melhor filme da seção Generation 14plus no último Festival de Berlim, "Las Plantas" cativa pelo retrato cru e sincero da juventude contemporânea (com destaque para os aspectos visuais), porém peca pelo roteiro desconexo, não se destacando entre outros filmes que apresentam temática semelhante.
O Apartamento
(Forushande, Asghar Farhadi, Irã, França, 2016)
Avaliação: Muito bom
Asghar Farhadi (“A Separação”) novamente representa o Irã no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro com o complexo e provocador “O Apartamento”. O longa conta a história de Rana e Emad, um casal que se muda, temporariamente, para o imóvel de um amigo. O que eles não sabem é que a antiga moradora era uma prostituta e, um dia, um cliente dela aparece quando Rana está sozinha em casa, desencadeando reações que revelarão lados até então desconhecidos dos personagens. O filme traça um paralelo entre esse drama e a peça “A Morte de um Caixeiro Viajante”, de Arthur Miller.
Invasão Zumbi
(Train to Busan, Yeon Sang-Ho, Coreia do Sul, 2016)
Avaliação: Muito Bom
Em seu novo (e aclamado) longa, Yeon Sang-Ho esconde sob o imaginário trash de um filme de zumbis uma complexa discussão sobre as relações humanas. Quando um misterioso surto viral deixa a Coreia do Sul em estado de emergência, a luta pela sobrevivência aflora os mais obscuros instintos dos passageiros de um trem a caminho da cidade de Busan. Unindo o clima de ação a toques de drama e a um elaborado humor com belas pitadas de sarcasmo, "Invasão Zumbi" não deixa de ser, afinal, um gore sobre zumbis - mas é muito mais do que isso.
The Handmaiden
(Ah-ga-ssi, Park Chan-Wook, Coreia do Sul, 2016, 145 min)
Avaliação: Muito bom
É preciso se preparar para descobrir “The Handmaiden”. Do mesmo diretor de “Oldboy”, o filme de duas horas e meia promete suspense, mas entrega algo mais próximo de um romance com reviravoltas vertiginosas, momentos de um humor patético e uma aura tão sensual que beira o erótico. A narrativa é dividida em três partes, recontando os mesmos eventos de diferentes perspectivas: uma mulher coreana é contratada para trabalhar como criada pessoal de uma japonesa rica, sobrinha de um coreano naturalizado japonês que está interessado no dinheiro da jovem. A criada, porém, também tem seus olhos no prêmio e, no final das contas, nada é exatamente o que parece. Do lado negativo, estão um olhar excessivamente fetichista do diretor sobre as personagens femininas, uma hesitação em definir o tom do filme e o prolongamento desnecessário do capítulo final. Uma edição mais enxuta seria suficiente para render uma obra-prima.
Aloys
(Aloys, Tobias Nölle, Suíça, França, 2016)
Avaliação: Excelente
A vida de Aloys, um solitário investigador particular, vira de cabeça para baixo quando a sua câmera e materiais confidenciais são roubados. É quando ele é contatado por uma misteriosa mulher - fascinado por sua voz, ele é jogado em um universo imaginário, convidando-o a quebrar as barreiras de seu isolamento. Vencedor do Prêmio da Crítica do Festival de Berlim, "Aloys" leva ao espectador uma mistura do existencialismo de Tarkovsky ao fantástico de David Lynch, propondo uma instigante reflexão sobre a vida, a morte e a solidão.
Paterson
(Paterson, Jim Jarmusch, França, Alemanha, EUA, 2016, 113 min)
Avaliação: Muito bom
Dirigido por Jim Jarmusch (“Amantes Eternos”), “Paterson” é um filme sobre o cotidiano banal de um motorista de ônibus (Adam Driver) que, em seu íntimo, é um poeta. Batizado com o mesmo nome da cidade, Paterson se inspira em sua rotina para escrever e, enquanto ele nunca considera publicar seus poemas, sua esposa passa os dias inventando formas de usar sua própria criatividade para ficar famosa. Delicado e muito subjetivo, o filme será sentido de formas diferentes para cada espectador, como um poema que é interpretado de acordo com o momento na vida de seu leitor.
13 Minutos
(Elser, Oliver Hirschbiegel, Alemanha, 2015, 114 min)
Avaliação: Regular
Do mesmo diretor de “A Queda! As Últimas Horas de Hitler”, “13 Minutos” retorna ao tema da Segunda Guerra Mundial, desta vez se debruçando sobre a história real de um pacifista alemão que planejou um atentado ao Führer, mas fracassou. O filme destaca um evento curioso, mas não consegue trazer uma perspectiva original sobre o tema e acaba repetindo clichês e personagens estereotipados já explorados em tantos outros filmes sobre o período.
A Menina Sem Mãos
(La Jeune Fille Sans Mains, Sébastien Laudenbach, França, 2016, 76 min)
Avaliação: Bom
Única animação em cartaz na Mostra deste ano, “A Menina Sem Mãos” é baseada num conto dos irmãos Grimm e, como tal, tem uma aura de conto de fadas, com direito a espíritos malignos jogando maldições sobre homens gananciosos e príncipes que vêm salvar a mocinha. O longa aposta numa técnica bastante artesanal, com traços rabiscados que lembram o japonês “A Princesa Kaguya”, mas ainda mais minimalistas. Interessante e belo, mas com uma sensação incômoda de déja-vu.
Persona
(Persona, Ingmar Bergman, Suécia, 1966, 83 min)
Avaliação: Excelente
Uma das obras mais belas do diretor sueco Ingmar Bergman (“Morangos Silvestres”, “O Sétimo Selo”), “Persona” pode ser atordoante. Cheio de subtextos e abstrações, o filme tem como protagonista uma atriz que, durante a encenação da peça “Electra”, de Eurípedes, emudece e se torna catatônica. Internada num hospital psiquiátrico, ela é tratada por uma enfermeira com quem desenvolve uma relação ambígua e em quem começa a enxergar um espelho de si mesma.
Banhado numa iluminação de tirar o fôlego e fotografado com enquadramentos cuidadosamente pensados, “Persona” discute temas espinhosos como a maternidade, a culpa, o conflito entre o que é socialmente aceitável e o que é verdadeiro e até mesmo a violência da guerra e a morte da religião, que aparecem como pano de fundo para esses conflitos humanos. Uma aula de cinema e psicologia.
A Atração
(Córki Dancingu, Agnieszka Smoczynska, Polônia, 2015, 92 min)
Avaliação: Muito bom
Imagine um filme adulto sobre duas sereias, irmãs, que sobem à superfície e passam a morar com a banda principal de uma casa noturna. Por natureza, elas são carnívoras e têm predileção por órgãos humanos, mas aceitam poupar seus anfitriões em troca de uma aventura em terra firme. Se você aceitar essa premissa absurda, então não se surpreenderá com os eventuais números musicais, com a sensualidade um tanto grotesca ou com as semelhanças entre esta história e o conto da Pequena Sereia – o original, que revela que sereias perdem sua voz em troca de pernas ou se transformam em espuma do mar diante de um amor não-correspondido. Divertido e perturbador.
David Lynch: A Vida de Um Artista
(David Lynch: The Art Life, Jon Nguyen, Rick Barnes, Olivia Neergard-Holm, EUA, Dinamarca, 2016, 90 min)
Avaliação: Bom
O documentário deixa em segundo plano o trabalho de David Lynch como cineasta e revela ao público sua relação com a pintura. O filme parte de depoimentos do próprio artista para traçar paralelos entre suas experiências na infância e na adolescência e o caráter sombrio e surrealista de suas obras. Fãs do diretor deverão sentir falta de elos com o cinema e o filme peca ao não buscar outros pontos de vista, que poderiam completar o discurso autobiográfico de Lynch.
O Nascimento de Uma Nação
(The Birth of a Nation, Nate Parker, EUA, 2016, 120 min)
Avaliação: Muito bom
Dono do maior acordo de distribuição já fechado durante o festival de Sundance, “O Nascimento de Uma Nação” é o impressionante longa de estreia de Nate Parker – que dirigiu, escreveu e protagonizou o filme sobre a história real de Nat Turner, um escravo letrado que liderou uma rebelião no sul escravista dos Estados Unidos. O filme acerta ao construir o personagem – um escravo que se torna pastor e é explorado para pacificar outros escravos –, mas falha ao optar por um desenvolvimento clichê e acaba perdendo parte de seu impacto.
Nunca Vas a Estar Solo
(Nunca Vas a Estar Solo, Alex Anwandter, Chile, 2016)
Avaliação: Excelente
Quando o seu filho sofre um ataque homofóbico que o leva ao coma, Juan se vê forçado a deixar a tranquilidade de sua vida para descobrir (e questionar) a violenta faceta de um mundo até então desconhecido. Vencedor do prêmio Teddy no Festival de Berlim, "Nunca Vas a Estar Solo" tem o seu êxito ao discutir a homofobia não pelos olhos da vítima, mas por uma sensível percepção externa. A densidade do roteiro é amenizada pelas delicadas lentes de Alex Anwandter, que encontram beleza mesmo nas sequências mais nauseantes.
Os Demônios
(Les Démons, Philippe Lesage, Canadá, 2015)
Avaliação: Muito Bom
Enquanto Montreal está enfrentando uma série de sequestros, Felix, um menino de dez anos, passa a perceber que seus medos imaginários são tão reais quanto àqueles ao do mundo ao seu redor. Com longos planos-sequência e escassez de diálogos, "Os Demônios" se aproxima da estética de Sofia Coppola para retratar o desabrochar da infância por meio de um olhar frágil, porém não menos aflito.
Por Juliana Varella e Ricardo Archilha
Atualizado em 31 Out 2016.