Não se engane: o futuro é previsível. Desde as primeiras obras de ficção científica, grandes autores vêm sonhando com ele e, por mais diferentes que sejam suas visões, estamos olhando para a mesma ideia, repetida em incansáveis variações: o homem quer criar humanidade. É sobre essa ideia que se debruça o novo filme de Spike Jonze – um filme simples com um nome singelo: “Ela”.
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“Ela” é Samantha (com a voz de Scarlett Johansson), integrante do primeiro grupo de Sistemas Operacionais conscientes desenvolvidos para uso pessoal. Como uma secretária, ela organiza os arquivos e compromissos de seu “patrão” Theodore (Joaquin Phoenix), mas também tem acesso a todo o seu histórico de e-mails e navegação, pode ler a tensão em sua voz, interagir e aprender com ele.
“Aprender” é o que faz de Samantha tão parecida com um humano, mas também é o que a fará diferente – afinal, sua capacidade de armazenamento é infinitamente maior que a de seus criadores. Apesar de reforçar o mesmo ponto de outras ficções (computadores tendem a superar os homens), “Ela” não segue pelo mesmo caminho apocalíptico, mas oferece uma reflexão sobre a imaterialidade e a “vida” num oceano de zeros e uns.
Mais do que futurista, o longa é atemporal e dialoga com dilemas atuais, entre roupas e cenários retrô. Enquanto Samantha e Theo estão vivendo seu conto de fadas, o resto do mundo vive uma epidemia de carência afetiva, causada e suprida por seus acessórios eletrônicos. Tudo, naquele universo, parece feito para compensar essa carência – o design “de vovó”, os jogos interativos de video-game, as cartas que Theo é pago para escrever. Nota: as cartas, vendidas como “escritas à mão”, são na verdade ditadas para o computador.
O interessante – e talvez diferente do que imaginamos para o futuro – é que existem muitos momentos “offline”. É compreensível: se o próprio Sistema Operacional tem personalidade, então talvez Theo não queira sua presença 24 horas por dia. Talvez não queira compartilhar um encontro íntimo com a ex-mulher ou com sua melhor amiga. Isso o obriga, também, a dedicar total atenção a essas pessoas, reforçando os laços e repensando sua situação de outras perspectivas.
A pergunta essencial do filme (“Pode haver amor entre um homem e uma máquina?”) provavelmente continuará sem resposta, mas podemos aprender algumas coisas com essa dupla. Samantha, afinal, é tão viciante quanto o celular que você guarda no bolso. E, como ela, a internet não suprirá sua necessidade de diálogo e aconchego.
Como Theo, todos perdemos a conta de quantas vezes preferimos nos esconder nas vidas dos outros (expostas na televisão, nas redes sociais, em fofocas) a encarar nossos próprios problemas. Mas também podemos aprender que amar é deixar que o outro mergulhe em seus documentos mais secretos. E pode ser tão simples quanto uma carta escrita à mão.
Assista se você:
- Procura um filme romântico para ver a dois
- Gosta de ficções futuristas
- Gostou dos outros filmes de Spike Jonze
Não assista se você:
- Procura um filme para não pensar muito
- Não se interessa pelo futuro da inteligência artificial
- Não gosta de filmes românticos
Por Juliana Varella
Atualizado em 13 Fev 2014.