Três homens guiam uma jornada em busca de identidade e pertencimento em Praia do Futuro. Dois se envolvem romanticamente, mas nem por isso fazem do filme de Karim Aïnouz um pingo mais feminino. Tampouco bruto: como explicaria o diretor, este “é um filme masculino e delicado”.
Wagner Moura e Clemens Schick (alemão, como a cidade que ambienta dois terços do filme) formam um casal cheio de testosterona, conflitos internos e silêncio. “É difícil fazer um filme com tanto silêncio hoje em dia”, analisa Wagner, chamando a atenção para o trabalho gestual e para a intimidade conquistada entre os atores durante a preparação. “Chegou uma hora em que conseguíamos nos comunicar apenas pelo olhar”, lembra Jesuíta Barbosa, o mais jovem do trio.
O personagem central da trama é Donato, vivido por Wagner: um salva-vidas que perde um banhista e se envolve com o amigo da vítima (Clemens). Ele vai morar em Berlim, deixando para trás o irmão mais novo que o vê como herói. Esse irmão (Jesuíta) cresce, se desfaz das ilusões e vai atrás do verdadeiro Donato, talvez para trazê-lo de volta a uma parte da realidade da qual ele fugira.
É difícil não se lembrar da história pessoal do diretor diante de tal roteiro: Karim deixou a casa dos pais “muito cedo”, como ele mesmo diz, e, entre tantos lugares, foi morar em Berlim. “Há coisas que escorregam e acabam se expressando nos filmes, mas não é necessariamente autobiográfico... Pode ser, não sei, é bonito não entender tudo”, esquiva-se.
Estrangeiro lá como aqui, Karim quis passar à tela um pouco de sua experiência com contrastes, do calor escaldante da Praia do Futuro ao frio desolador de uma praia sem mar. “E o que é terra estrangeira?”, questiona, afinal.
Para o elenco, porém, a distância foi palpável. “Soube desde o início que não aprenderia a falar alemão”, admitiu Wagner, entre risos. Jesuíta se deu melhor com a língua estrangeira, mas Clemens (apesar de se sair muito bem com as longas falas em português) conta que teve dificuldade para reagir corretamente aos colegas quando não sabia o que diziam, ou para expressar o sentimento certo com palavras que mal conhecia.
A homossexualidade dos personagens, que protagonizam cenas de sexo e aparecem nus em diversos momentos, poderá chocar o público brasileiro, mas não incomodou os atores. “O Brasil é um país conservador e esse tipo de preocupação é muito preconceituosa”, disparou Wagner durante a coletiva de imprensa. Para ele, a opção sexual do personagem não deveria ser uma questão, mas sim mais uma das características que o formam, como em qualquer outro papel.
Clemens foi menos radical e afirmou que considera o filme idealista, dentro de um mundo que ainda não vê uma relação entre homens como normal. Como afirmara o diretor, quando perguntado sobre os festivais em outros países, “o contato com a diferença produz tolerância”. Será que ele estava falando de nacionalidades?
Por Juliana Varella
Atualizado em 9 Mai 2014.