Uma das fraquezas do cinema infantil (e juvenil) nos dias de hoje é que quase não se fala mais de morte. É comum que personagens importantes morram, mas é ainda mais frequente que ressuscitem, ou que jamais tenham “morrido de verdade” e possam reaparecer a qualquer momento. Isso dá certa tranquilidade ao público, mas torna a relação com a morte artificial e distante. Num panorama desses, uma animação como “Festa no Céu”, que explora justamente as tradições do Dia dos Mortos mexicano, é mais do que bem vinda.
Bem vinda não apenas pelo tema funesto, mas por trazer uma postura diferente em relação a alguns clichês: o centro do mundo, neste filme, é o México, não os Estados Unidos; a Morte não é vilã, mas uma personagem sábia e amada; o mocinho é um toureiro que não quer machucar os animais. Valoriza-se a música, a amizade, a educação, mas jamais a violência, e nem mesmo os arqui-rivais deixam que o amor pela mesma moça diminua sua amizade.
O visual de “Festa no Céu” também é bastante original, com cores vibrantes, estampas chamativas e a textura das peles dos personagens lembrando madeira. Apesar disso, você já pode ter visto traços semelhantes na TV: o diretor, Jorge R. Gutierrez, trabalhou no design de “El Tigre” e “Mucha Lucha”, desenhos exibidos no Brasil pela Nickelodeon e pelo Cartoon Network.
A história de “Festa no Céu”, narrada por uma guia a um grupo de crianças num museu, é bastante romântica. Tudo começa no Dia dos Mortos, quando os vivos podem ficar perto de seus entes perdidos (mesmo que não os vejam). Ali, a guardiã do mundo dos Lembrados, La Muerte, e o guardião do mundo dos Esquecidos, Xibalba, observam um jovem triângulo amoroso e fazem uma aposta: se Manolo casar-se com Maria, Xibalba não interferirá mais no mundo dos vivos; se Joaquim conquistá-la, Xibalba governará o mundo dos Lembrados.
Manolo é filho de um grande toureiro, mas sonha mesmo é em ser músico. Joaquim é filho de um soldado e quer seguir os passos do pai. Já Maria vai estudar na Espanha, sob ordem dos seus pais.
Quando ela retorna (com conhecimentos aprofundados em feminismo, esgrima e kung fu), Manolo é quem balança seu coração, mas a ameaça de um saqueador faz seu pai pedir que ela escolha Joaquim. Antes que ela se decida, a picada de uma cobra muda os rumos da história.
Esse evento irá abrir caminhos entre os três mundos e colocar desafios diante de Manolo e de Joaquin. Para quem vinha gostando da postura independente da mocinha, porém, alguns dos eventos seguintes podem cair como água gelada: um deles é a proposta do casamento como união estratégica e o outro, a cena clássica king-kongueana da garota em perigo.
A história, apesar dos deslizes, é bastante instigante e carrega boas mensagens sobre amor, amizade e família. Entretanto, é certo que o público gostaria de ver um pouco mais dos outros mundos. Passa-se rapidamente pelo paraíso dos Lembrados – um cenário estonteante – e a visita aos Esquecidos é ainda mais curta. Por que não explorar mais esses universos tão mais interessantes?
Incomoda, ainda, a escolha da trilha musical. No início, uma das canções é falada em inglês, o que soa como uma falha considerando que todas as outras estão em português. Entre essas outras, algumas são sucessos internacionais (como Creep e Can’t Help Falling In Love) adaptados para o violão mexicano, o que não se justifica de forma alguma num filme que exalta a cultura latina.
“Festa no Céu” pode não ser, por esses motivos, uma obra completa, mas é um filme cativante e passional, com personagens fortes e universos novos que convidam à exploração. Pensando isso, é provável que voltemos a encontrar La Muerte e Xibalba em trabalhos futuros. Aguardaremos ansiosamente.
Assista se você:
- Gosta de animações caprichadas e coloridas
- Quer levar seu filho para ver um filme inteligente e divertido
- Quer conhecer um pouco mais da cultura mexicana
Não assista se você:
- Não gosta de animações
- Não gosta de filmes infantis, com desfechos previsíveis
- Não quer ver uma história romântica
Por Juliana Varella
Atualizado em 8 Out 2014.