Poucos personagens são mais suculentos na História do Brasil do que Joaquim José da Silva Xavier. Um “tiradentes” no século XVIII, um dentista comum com uma carreira militar que, influenciado por ideias iluministas, participa de uma revolta popular contra a dominação portuguesa. Um homem que, traído pelos colegas, é responsabilizado sozinho pela rebelião e esquartejado, com partes do corpo espalhadas para servirem de exemplo aos demais.
Este é um thriller prontinho para ser narrado no cinema. A não ser, é claro, que você decida ignorar essa parte da história e jogar o foco sobre uma caça ao ouro que, muito frustrantemente, não leva a lugar algum. Aliás, por que não trocar toda a ideologia política por uma teimosia pessoal e explorar como única motivação do protagonista o desejo de posse de uma mulher e a ambição por um cargo mais elevado? Esse sim é um herói que o público vai querer ver... Não?
Parece absurdo, mas é exatamente isso que faz Marcelo Gomes na biografia romantizada “Joaquim”, que chega aos cinemas no dia 20 de abril (véspera do feriado de Tiradentes). O longa, que traz Júlio Machado no papel principal, chegou a ser exibido no Festival de Berlim e até concorreu ao Urso de Ouro, mas não conseguiu conquistar júri ou público. Por aqui, será difícil ganhar alguma simpatia também.
“Joaquim” tenta traçar um retrato da vida nas Capitanias, incluindo menções a escravos, índios, quilombolas, portugueses, fazendeiros, militares e intelectuais. Não há crianças, não há idosos, não há senão uma mulher. Falta foco, porém, para que esse mosaico incompleto se justifique: se há um Quilombo, ele não tem função nenhuma senão mostrar que alguém se lembrou de tocar no assunto. Se há um índio, ele chega e vai igualmente incompreendido. Se há diálogos inteiros em dialetos africanos, eles não ganham significado algum, nem por tradução, nem por associação. E, finalmente, se há um movimento incipiente de revolta, ele mal tem tempo de nascer antes que o letreiro enorme invada a tela.
É difícil determinar o que Gomes – diretor e autor, conhecido por “Cinema, Aspirinas e Urubus” – quis provocar com essa nova obra. Reflexão? Quis ele quebrar o estereótipo do herói, enfraquecendo-o com uma personalidade machista e ingênua? Ou quis ele alfinetar o colonialismo de ontem e hoje, inserindo provocações nada discretas aos EUA entre uma fala e outra? Seja como for, faltou definir um objetivo claro e acreditar nele, explorando o som, a luz e os personagens a seu favor. Faltou, enfim, praticamente tudo.
Por Juliana Varella
Atualizado em 7 Abr 2017.