Era fim de noite de 20 de abril em Nova York e o público do festival Tribeca se despedia da exibição de In Your Eyes, longa escrito e produzido por Joss Whedon e dirigido por Brin Hill. O filme, em si, não levantou grande polêmica: era uma história de amor com toques sobrenaturais, mas o que veio em seguida chocou os presentes.
Numa mensagem de vídeo, Whedon (conhecido por Buffy – A Caça-Vampiros e Os Vingadores) anunciou que estava lançando o filme internacionalmente naquele momento, via streaming, por US$ 5. O burburinho que se estendeu pela semana é justificável – o diretor de um dos filmes mais rentáveis da História estava se arriscando num mercado ainda inseguro, provocando as distribuidoras e incentivando outros artistas a fazerem o mesmo.
Mas espere... Olhe de novo.
Em primeiro lugar, Joss Whedon sempre teve um pé no cinema indie: nos intervalos das gravações de Os Vingadores, por exemplo, aproveitou para filmar uma peça de Shakespeare em sua casa de campo, praticamente sem verba, junto a alguns amigos, e o resultado foi Muito Barulho por Nada, uma “brincadeira” que chegou inclusive aos cinemas brasileiros.
Além disso, vale lembrar que, apesar de estar bastante envolvido no projeto, Whedon não dirigiu In Your Eyes. Muito menos o fez sob o financiamento de um grande estúdio. O filme era barato, teria poucas chances fora do circuito de festivais e, se alguém estava se beneficiando com a publicidade extra causada pelo anúncio, era o iniciante Brin Hill.
Se a atitude não foi, afinal, tão ousada assim, ela não deixa de ser mais um indício de que os tempos estão mudando e de que, hoje, as possibilidades de distribuição são muito mais amplas do que eram até dez anos atrás. O movimento de “fuga” do sistema de estúdios vem sendo sentido em diversos aspectos.
Há atores se aventurando na direção independente (Joseph Gordon-Levitt, Ben Stiller), há diretores e atores abrindo suas próprias produtoras para terem mais liberdade (Brad Pitt, Tom Cruise, J. J. Abrams) - essas tendências são antigas, mas estão se intensificando. Outros estão migrando para séries de televisão (Matthew McConaughey, David Fincher), ou distribuindo seus filmes exclusivamente por canais de TV ou streaming (Steven Soderbergh).
O que Whedon fez de diferente – mais próximo dos artistas realmente independentes - foi eliminar o distribuidor, estabelecendo uma conexão direta com o público do mundo inteiro através da internet – sem HBO, sem Netflix, sem assinatura, apenas com um clique no Vimeo e um cartão de crédito. O filme foi lançado com traduções em espanhol, alemão, português, francês e japonês.
É necessário fazer um parênteses para notar que, além de utilizar a internet da forma que fez, Whedon também mostrou ao mundo uma ideia que pode se tornar padrão em alguns anos: a distribuição simultânea. Sem a lacuna entre a exibição no festival (ou nos cinemas) e a transmissão na TV paga, o diretor praticamente elimina a pirataria – que se alimenta da impaciência do público tanto quanto dos preços inflacionados.
A estratégia já tinha sido usada em 2011 pelo humorista Louis C. K., que lançou um especial de stand-up para download pelos mesmos US$ 5. O problema é que o artista arrecadou apenas US$ 1 milhão com o produto – número razoável para uma primeira experiência, mas inviável para sustentar um longa-metragem, que costuma custar pelo menos dez vezes esse valor e, num caso como Os Vingadores, mais de duzentas vezes. Louis, não por acaso, acabou recorrendo à HBO para divulgar seu trabalho seguinte.
Outra experiência parecida envolveu o lançamento do documentário Indie Game: The Movie. Financiado por crowdfunding, o filme chegou ao mercado em festivais, teve um circuito limitado em salas de cinema, investiu no boca-a-boca em sites especializados e foi distribuído pelo ITunes e pelo Steam (uma plataforma de downloads de games). Depois, o documentário foi exibido na TV britânica. O filme foi um sucesso – mas porque atingiu seu público exatamente onde ele estava: na internet.
A verdade é que nem todo diretor ou produtor tem a visibilidade que tem Joss Whedon, e mesmo ele provavelmente não terá sucesso com In Your Eyes. Mas ele sabe disso. Whedon não quis ganhar dinheiro ou atingir mais pessoas lançando um filme pela internet. O que ele quis foi mostrar aos cineastas estreantes em Tribeca e aos seus colegas veteranos, cansados de distribuidoras que só querem saber de Vingadores, que existe, sim, outro caminho. E que são eles, os criadores, que devem construí-lo.
Para baixar o filme In Your Eyes, clique aqui.
Por Juliana Varella
Atualizado em 28 Abr 2014.