Depois de negar sua fórmula mais clássica apenas meses atrás com “Frozen” (jogando o romance para escanteio e transformando a vilã em heroína), a Disney já começa a se desfazer da incômoda aura de “revolucionária”. Em “Malévola”, principal aposta do estúdio para o verão americano (e o inverno brasileiro), a inovação vira fórmula e personagens que outrora brilhavam sobre o acetato agora agonizam, estereotipados em três dimensões.
Como no vencedor do Oscar, “Malévola” também resgata uma vilã de histórias infantis para mostrar a complexidade de suas ações. A diferença é que Elsa, protagonista de “Frozen”, não pretendia ser a própria Rainha da Neve do conto de Hans Andersen, mas apenas uma personagem inspirada livremente no mito. O mesmo não acontece com Malévola, associada desde o início à história de Bela Adormecida tal como contada pela própria Disney em 1959.
Diante dessa promessa, o público está disposto a conhecer as origens de uma das bruxas mais temidas por crianças de várias gerações, e sabe que o único fato que não pode ser alterado é o de que Malévola, como o próprio nome diz, é má. Sejam quais forem suas razões, ela deverá terminar o filme como a conhecemos: má, verde, invocando labirintos de espinho e draconizando-se com sua risada arrepiante.
Angelina Jolie, devidamente caracterizada com chifres e maquiagem pesada, faz o que pode: grita até seus pulmões saírem pela boca, entoa com perfeição o discurso do batizado (único momento realmente sombrio do filme) e capricha no sarcasmo, mas não consegue amedrontar nem mesmo uma criança de 4 anos (no caso, sua filha Vivienne Jolie-Pitt).
O problema não é (apenas) Jolie, mas um roteiro que dedica mais tempo à redenção da vilã do que à devida exposição de seu mundo, seus desejos e frustrações. A direção, como esperado, dedica todos os seus esforços a criar o mundo mais belo possível, explorando cada virtuosidade com o máximo de detalhe. Robert Stromberg, diretor estreante, tem vasta carreira em artes visuais e venceu dois Oscars por Direção de Arte. Sim, você adivinhou certo: um deles foi por “Alice no País das Maravilhas”, de 2010.
Há qualidades, é claro: o primeiro terço do filme agrada e satisfaz. Somos apresentados a dois mundos vizinhos: um dos humanos, com seu rei todo poderoso, suas ambições e mesquinharias; o outro de criaturas maravilhosas, que não têm rei e vivem em comunhão com a natureza e umas com as outras. É lá, curiosamente, que nasce Malévola – uma fada.
Por que ela é a única fada com chifres e tamanho humano, não é explicado e causa um leve estranhamento, mas não diminui em nada sua graça (então como Isobelle Molloy). O fato é que ela conhece um humano e se apaixona por ele, depois de desenvolver uma amizade aparentemente sincera. Mal sabia ela que ele se tornaria o rei Stefan (Sharlto Coopley, caricato demais até para os seus padrões) e que, para chegar ao trono, cometeria a maior das crueldades.
Traída e machucada, Malévola aguarda o nascimento da primeira princesa e lança sua conhecida maldição. Como no filme original, o rei manda queimarem todas as rocas (algo sai errado nesse processo, inexplicavelmente) e, como naquele desenho, as fadinhas Fauna, Flora e Primavera partem para a floresta para criarem a menina até os 16 anos.
Interpretadas por Imelda Staunton, Juno Temple e Lesley Manville, as fadas decepcionam desde o primeiro momento: sua aparência é falsa, seu comportamento é leviano, seus poderes são insignificantes. Quem cresce em relevância e complexidade é o corvo Diaval, que ganha uma versão humana no corpo de Sam Riley. Fiel e devoto, ele esbanja personalidade, questionando sutilmente as decisões da patroa enquanto ajuda a proteger Aurora.
O que se segue não seria tão ruim se, de fato, quiséssemos que Aurora fosse salva. Vivida por Elle Fanning na fase mais velha, a princesa se limita a sorrir e a agir ingenuamente, representando a clássica “mocinha em perigo” de forma rasa e mais irritante do que cativante. O príncipe, por sua vez, deveria ter sido riscado do roteiro.
Os bons momentos de Angelina, sarcásticos e charmosos, são sobrepostos por sequências de ação basicamente plásticas, que não exigem (nem recebem) grande atuação. É assim na guerra contra o primeiro rei, na invasão do castelo e na tediosa batalha final.
As decisões do desfecho arriscam novos caminhos e propõem uma certa rebeldia. Mas a sensação que fica é de já termos visto essa história antes, várias e várias vezes. Esta vilã não era má, afinal, mas basta mudar de foco para notarmos os ingredientes de sempre: um vilão ganancioso, um herói (ou heroína) que parece ser o único personagem com sentimentos, uma donzela a ser salva, um fiel companheiro... E todos viverão felizes para sempre.
Assista se você:
- Gosta de reinterpretações de contos de fadas
- Procura um filme de aventura para toda a família
- Quer ver um filme com belos gráficos em 3D
Não assista se você:
- Espera que a nova história enriqueça a original
- Não gosta de filmes baseados em contos de fadas
- Espera ver um filme sobre uma vilã
Por Juliana Varella
Atualizado em 29 Mai 2014.