“Você tem o mapa para as estrelas?”, pergunta uma garota recém-descida do ônibus ao motorista de uma limusine no novo filme de David Cronenberg. O contraste não é por acaso: eles estão em Los Angeles e o que ela busca é uma porta de entrada para o universo quase alienígena das celebridades - um mundo que conhece mais do que deixa transparecer e do qual foi banida anos atrás.
“Mapas Para As Estrelas”, como Cronenberg batizou essa estranha fábula hollywoodiana, tem um pouco de tudo: crítica cultural, traumas familiares e até uma pitada de terror sobrenatural. Fantasmas aparecem o tempo todo.
A garota do início é Agatha (Mia Wasikowska), uma menina com uma queimadura no rosto que conhece Carrie Fisher (a princesa Leia, de Star Wars) e consegue um trabalho como assistente pessoal de Havana Segrand (Julianne Moore).
Havana, por sua vez, é uma personagem tão perturbada que rendeu facilmente o prêmio de melhor atriz a Moore em Cannes. Atriz desempregada, ela se sente pressionada pela imagem jovem e bem sucedida da mãe (Sarah Gadon), uma atriz de sucesso nos anos 50 ou 60 que morreu tragicamente num incêndio. Dominada pelo trauma da competição e da perda, Havana chegou a construir memórias (ou teriam elas de fato ocorrido?) de um abuso sexual praticado pela mãe.
Como se todo esse complexo freudiano não fosse suficiente, a filha agora quer repetir o papel mais famoso da genitora num remake que pode ressuscitar sua carreira. O problema é que, até agora, o diretor não a convidou para o projeto.
Do outro lado desse circo está a família de Stafford Weiss (John Cusack), um terapeuta cujo filho, de 13 anos, foi astro de um blockbuster infantil e acaba de voltar da reabilitação. Benji (Evan Bird) não é um menino tão ruim, mas veste uma postura arrogante para se misturar nesse meio, deixando-se contagiar vez ou outra pela adrenalina do momento (como quando brinca de roleta russa).
A carência desses personagens pela fama é potencializada pelo medo do julgamento, representado pelos fantasmas que assombram Havana e Benji. Mas não é só Hollywood que está no divã e não demora até vermos os valores mais básicos serem jogados, quase literalmente, descarga abaixo.
O motorista com quem Agatha se envolve, interpretado por Robert Pattinson numa inversão de seu papel em “Cosmópolis”, é uma peça um pouco fora de lugar. A princípio, sua visão deveria espelhar a do autor (Bruce Wagner, ex-chauffeur de celebridades em Beverly Hills), mas quem nos conta a história não é ele, mas sim uma espécie de narrador onisciente, o que acaba deixando o conjunto solto e pouco intimista. Além disso, nunca chegamos a saber exatamente o que esse personagem pensa sobre aquele mundo, exceto que ele quer fazer parte dele – escrevendo roteiros, como Wagner.
Entre risos histéricos e gritos desesperados, “Mapas Para As Estrelas” é uma sátira que passou do ponto, juntando ideias boas e ruins numa mesma sopa de humor duvidoso. O resultado incomoda, mas, levando em conta o histórico polêmico de Cronenberg, talvez fosse justamente essa a intenção.
Por Juliana Varella
Atualizado em 10 Mar 2015.