E se você eliminasse, digamos por um momento, o julgamento da sociedade sobre suas decisões mais íntimas? No universo alternativo criado por Xavier Dolan especialmente para seu novo drama “Mommy”, o mundo parece exatamente o mesmo, com exceção de uma única lei, anunciada nos créditos iniciais: o abandono de jovens com problemas de comportamento agora é uma opção e um direito.
Dolan é um fenômeno muito especial no cinema internacional dos últimos anos. Aos 25, o cineasta canadense já soma quatro títulos premiados em Cannes, sendo este último o vencedor do Prêmio do Júri. O frisson não é descabido: o jovem diretor tem uma sensibilidade particular para tratar de temas polêmicos (em especial a homossexualidade e as relações freudianas de garotos com suas mães) e o faz com força e estilo, lembrando os melhores trabalhos de Pedro Almodóvar.
“Mommy” nos apresenta um trio de personagens curiosos e transbordantes. A primeira que vemos é Diane (Die) Després (Anne Dorval), a mãe. A escolha não é aleatória: para entender um adolescente, olhe para quem o criou. Neste caso, uma mulher imatura e espalhafatosa, que assina documentos oficiais com um delicado coração, carrega um chaveiro barulhento e veste-se como uma atrapalhada garota de programa, do salto brilhante à sombra roxa.
Depois, somos apresentados a Steve (Antoine-Olivier Pilon), um adolescente explosivo diagnosticado com TDAH, internado e expulso por vandalismo. As coisas não estão nada bem, mas Die e Steve querem fingir que estão. Eles se amam, se beijam, se xingam, numa intensa e agressiva relação que tende ao desastre. Alguém sugere a Diane que entregue o menino ao governo, mas ela não o faz. É mãe, afinal.
O comportamento de Steve irrita o espectador desde as primeiras cenas, testando nossa hipocrisia bem treinada: ele não tem culpa, pensamos. Ele é vítima de uma família destruída e sem perspectivas. Coitado. No fundo, odiamos o garoto e não acreditamos que Die conseguirá cuidar dele ou sobreviver ao lado dele.
A vida dos dois encontra um pouco de luz quando a vizinha, Kyla (Suzanne Clément), intervém. Mostrando-se sempre presente e disposta a ajudar, com carinho e certa timidez, Kyla é a figura materna de que precisam tanto Steve quanto Die. Aos poucos, porém, notamos que essa mulher está usando a casa vizinha para não precisar olhar para a própria família, a quem negligencia por algum trauma que ainda não superou.
A história de Kyla é um mistério a ser desvendado pelo público. Parte dela é revelada durante uma briga, mas outra parte está escondida, discretamente sugerida em porta-retratos. Por que ela prefere dar aulas particulares a Steve ao invés de ajudar a própria filha nos deveres de casa? Por que há tanto silêncio entre ela e seu marido?
A relação entre essas três figuras evolui em altos e baixos, poeticamente simbolizados pelo corte da tela, ora vertical (como um retrato), ora amplo e horizontal. É difícil prever que destino terão essas pessoas, mas é visível que a proximidade faz bem aos três, mesmo que por meios às vezes violentos. Violência, aqui, é uma forma de intimidade.
“Mommy” chega aos cinemas no dia 11 de dezembro e pode ser um dos concorrentes ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2015. Se depender da força de seus personagens, as chances são grandes.
Assista se você:
- Gostou dos outros filmes de Xavier Dolan
- Gosta de dramas particulares, sobre famílias
- Quer ver um filme forte, estilo “tapa-na-cara”
Não assista se você:
- Procura um filme leve
- Não gostou dos outros filmes de Xavier Dolan
- Não gosta de dramas muito pesados
Por Juliana Varella
Atualizado em 17 Dez 2014.