Em 1987, o leão da MGM rugia ferozmente para milhares de espectadores, anunciando um dos mais cultuados e, também, mais violentos pipocões do cinema oitentista: RoboCop. Agora, o que chega às salas IMAX é um leão mais domado, astuto, que treina suas cordas vocais para entrar no ar em rede nacional.
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José Padilha, o mais novo brasileiro a tentar a sorte em Hollywood, abre seu remake com um personagem-chave: o apresentador de televisão Pat Novak, interpretado por Samuel L. Jackson. Especialista em classificar o mundo entre “mocinhos” e “bandidos” – como tantos jornalistas de programas policiais - Novak centraliza o mais recente debate em Detroit: aceitar ou não o policiamento por drones em território americano?
Em todo o mundo (leia-se: terceiro mundo), robôs exportados pelos EUA são largamente utilizados para promover a “pacificação” (soa familiar?), distinguindo civis basicamente entre armados e não armados. Aos armados, respondem com tolerância zero.
A grande ironia está na postura dos americanos em relação a essa tecnologia: é seu dever enviar tropas inumanas para invadir outros países, mas ninguém as quer em seu quintal. O debate é representado por duas figuras: o dono da fabricante de armamentos OmniCorp, Raymond Sellars, e o senador Hubert Dreyfuss, autor de uma lei proibindo o uso de drones. (Dreyfuss foi nomeado em homenagem ao filósofo real de mesmo nome, famoso por criticar os estudos em Inteligência Artificial.)
Se a polêmica das armas autônomas lança paralelos óbvios com a realidade atual, são outras questões, mais profundas, que tocam o “zeitgeist” do século XXI. Vivemos a supremacia da opinião pública (e a consequente manipulação dessa opinião por meio do espetáculo) e nos deparamos com as limitações da ciência no sonho de desvendar a mente humana.
Quando Alex Murphy (Joel Kinnaman) sofre um atentado quase fatal (esqueçam o fuzilamento do filme original, este tem classificação PG-13), a OmniCorp vê a oportunidade de se lançar no mercado nacional com um novo tipo de robô. Um mais cativante para o público, com a aparência e o nome de um ser humano.
Ainda existe um detetive sob a armadura, mas sua consciência é reprogramada aos poucos, para que não tome atitudes indesejadas pela empresa. Ao reprogramá—lo, a corporação pretende igualá-lo em eficiência aos outros robôs, eliminando o fator “livre arbítrio”.
O problema é que há muito mais num ser humano do que apenas suas sinapses. Há, por exemplo, a esposa (Abbie Cornish), que ameaça levar a história a público. E há um resto de consciência, inexplicável para os médicos. Tudo isso precisa ser maquiado: numa sociedade comandada por empresas, onde o povo é o consumidor, marketing é tudo.
Um novo debate se constrói entre Sellars (Michael Keaton) e o médico Dennett Norton (Gary Oldman). Os dois transformam o embate político numa discussão ética sobre a produtificação do ser humano – que, na verdade, é a mesma questão em escala menor: ao colocar drones para classificar pessoas automaticamente, os militares já as coisificavam.
O tom do RoboCop contemporâneo é mais reflexivo e menos agressivo que o dos anos 80, mas nem por isso menos irônico. Se Paul Verhoeven criticava a lavagem cerebral midiática com sátiras de comerciais, Padilha escolhe o programa sensacionalista para destilar seu veneno. Se a corrupção era caso de polícia 27 anos atrás, agora ela é legitimada por interesses econômicos que se vendem como interesse público.
Mais complexo ainda é perceber que o que move RoboCop, em 2014, não são mais as três diretivas da lei, nem qualquer outro senso de justiça. São as vontades pessoais de seu fabricante contra as vontades pessoais de Murphy. É a individualidade do século XXI nua e crua.
Assista se você:
- É fã de outras versões de RoboCop
- Quer ver o primeiro trabalho de José Padilha fora do país
- Procura um filme de ação inteligente
Não assista se você:
- Nunca gostou de RoboCop
- Não gostou dos filmes anteriores de Padilha
- Espera que a nova versão seja tão violenta quando a original
Por Juliana Varella
Atualizado em 20 Fev 2014.