Em 2008, Ari Folman transportou suas experiências de vida e de guerra para a animação “Valsa com Bashir” e ganhou seu lugar de respeito entre os diretores mais originais que já tocaram as telas do Ocidente. Agora, chega aos cinemas seu novo trabalho: uma viagem alucinógena pelo futuro do entretenimento batizada de “O Congresso Futurista”.
O filme é inspirado no livro “O Congresso Futurológico” (1971), de Stanislaw Lem, mas traz uma interpretação mais fincada em dilemas do cinema, abordando a indústria das celebridades e os avanços do CGI, apontando para uma distopia onde a consciência e os sentidos são artificiais.
A protagonista é Robin Wright – ela mesma, a atriz de “A Princesa Prometida”, “Forrest Gump” e “Os Homens que Não Amavam as Mulheres”. Aos 44 anos, Robin (que na verdade gravou o filme com 47) vive um momento de decadência na carreira e enfrenta a ira de seu agente (Harvey Keitel) e do dono do estúdio (Danny Huston).
Eles criticam suas “péssimas escolhas” e lhe propõem um último e desesperado contrato: a atriz será escaneada, substituída por uma versão digital de si mesma, eternamente jovem, que fará todos os filmes e entrevistas em seu lugar pelos próximos 20 anos. A ideia é só a primeira de uma série de atitudes abusivas do estúdio sobre seus atores, num filme que não hesita em apontar o dedo a Hollywood.
Robin aceita o acordo porque precisa cuidar de seu filho doente - Aaron tem a síndrome de Usher, que o deixa progressivamente cego e surdo e, consequentemente, fechado em seu próprio universo. Sua doença, ironicamente, se mostrará pouco diferente daquela vendida pelo cinema ou pela televisão em suas fantasias escapistas.
O título do filme se refere a um congresso que acontece 20 anos depois, do qual Robin é uma convidada ilustre agora que seu “avatar” é a estrela dos filmes mais bem-sucedidos do estúdio. Nesse ponto, o contraste entre o rosto envelhecido da atriz e a aparência jovial da personagem já a distanciaram permanentemente do público, que não mais a reconhece.
O congresso acontece num ambiente “restrito à animação”, onde cada visitante ganha uma ampola alucinógena para alterar sua percepção de mundo (e consequentemente a nossa). Folman bebe de “The Wall” (filme de Alan Parker), inspira-se na Walt Disney clássica e nos animes japoneses. Tenta tocar o subconsciente como um quadro surrealista e acaba prendendo sua protagonista ali, num pesadelo midiático sem fim. Seu despertar oferece uma reflexão preciosa sobre os limites do entretenimento.
É interessante, contudo, pensar que essa confusão entre realidade e ficção já existia muito antes das ampolas. Admirar um personagem no lugar de um ser humano, querer “ser” o ídolo e abdicar da própria identidade, trocar a arte pelo lucro, a vida pela ficção – essas coisas não soam tão futuristas quanto faz parecer o filme. Mas é essa atualidade, afinal, que faz uma boa ficção científica, não é mesmo?
Assista se você:
- Gosta de ficção científica
- Gosta de animações adultas
- Quer ver um ponto de vista diferente sobre a indústria cultural
Não assista se você:
- Não quer ver um filme difícil
- Procura uma animação leve e divertida
- Não gostou de “Valsa com Bashir”
Por Juliana Varella
Atualizado em 28 Mar 2014.