Duas motos cortam a areia das dunas cearenses, lutando para dominar o ambiente desértico. A música quase ensurdece o espectador. Segundos depois, a tela é tomada pela água – não tão agressiva quanto esperamos do palco de uma tragédia, mas traiçoeira. É ali, na Praia do Futuro, que Donato perde um homem pela primeira vez.
Wagner Moura é o protagonista, um bombeiro que sustenta a mãe e o irmão mais novo, Ayrton (Savio Ramos, na versão mais jovem), trabalhando como salva-vidas em Fortaleza. “E se eu fosse levado por essa água?”, pergunta, só para ouvir a resposta idolátrica: “Você é o Aquaman, você pertence à água! Mas se precisasse, eu iria te salvar”.
Donato se envolve com o amigo da vítima, o alemão Konrad (Clemens Schick), e vê a oportunidade para fugir de uma realidade que não lhe oferece mais certezas. Em Berlim, apaixona-se de vez (de um jeito meio romântico, meio frio) e deixa tudo para trás. (Apaixona-se por outro homem, sim, mas isso é apenas um detalhe.)
Anos depois, Ayrton (Jesuíta Barbosa) é só raiva e rebeldia, mas cruza o oceano sozinho porque sabe que é sua missão. Ele prometera ser o herói de Donato, quando as águas o levassem para longe da praia.
A ideia do herói é central no drama: de figuras como Aquaman, Speed Racer e Motoqueiro Fantasma à canção Heroes, de David Bowie, que emoldura o quadro final (uma partida, como em outros filmes do diretor Karim Aïnouz).
Donato é frequentemente referenciado como o herói, inclusive num dos sub-títulos (são três: “O abraço do afogado”, “Um herói partido ao meio” e “Um fantasma que fala alemão”). Ele é um herói para os banhistas e para o irmão, mas não para si – na verdade, pouco vemos de heroico em suas ações, mais egoístas do que nobres. O que se vê, afinal, é que os três personagens se salvam mutuamente – Donato a Konrad, Konrad a Ayrton e Ayrton a Donato.
A relação entre Konrad e Donato espelha o abismo entre as culturas, entre o calor do Ceará e o frio úmido de Berlim. Os dois parecem distantes no diálogo, mas se entendem nos gestos mais simples. Uma curiosidade: Schick confessou que a barreira da língua dificultou sua expressão, o que transparece na tela (e torna tudo ainda mais verdadeiro).
Praia do Futuro tem passo lento e trilha sonora contida, mas carrega mensagens poderosas sobre medo, coragem e escolhas. O filme, no fim, é uma história de amor, mas com aquele jeito masculino de expressar (ou não) certos sentimentos – seja entre os amantes, seja entre os irmãos.
Assista se você:
- Gosta dos filmes de Karim Aïnouz
- Quer ver Wagner Moura num papel polêmico
Não assista se você:
- Não gosta de filmes lentos ou com pouca ação
- Não gostou dos outros filmes de Karim Aïnouz
Por Juliana Varella
Atualizado em 9 Mai 2014.