Quando se fala em terror nacional, o primeiro nome que vem à mente é Zé do Caixão: teatralidade, nudez, satanismo, imagens do grotesco e litros de sangue falso. Em outras palavras, é o trash que marca a tradição do gênero no Brasil. Mas tradição não precisa ser a regra: em “Quando eu era Vivo”, Marco Dutra brinca com clichês nacionais e internacionais e apresenta um thriller cheio de surpresas.
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Antônio Fagundes é José, um homem viúvo que decidiu apagar todas as lembranças da esposa e encaixotá-las num quartinho, arranjando uma nova namorada e reformando o apartamento. Também se chama José, ou Júnior, seu filho mais velho (Marat Descartes), que volta para morar com ele após enfrentar um divórcio. Filho mais velho? Mas o que teria acontecido ao mais novo? E a mulher, por que morrera? O que deixara para trás?
O filme nos lança perguntas a todo momento, mas responde apenas a uma seleta porcentagem, deixando seus espectadores confusos, mas curiosos até depois do fim. Também habita esse apartamento a estudante de música Bruna (Sandy Leah), que aluga um quarto e tenta manter a situação menos insuportável para aqueles dois parentes, que mais parecem estranhos.
A família é o tema central do longa, uma adaptação do livro “A Arte de Produzir Efeito sem Causa”, de Lourenço Mutarelli (que inclusive faz uma ponta no filme). Como entender a relação daquela mãe com seus filhos? E o rancor deles com o pai?
Como um catalisador desse atrito, Júnior revive o antigo fanatismo religioso da mãe, criando as situações mais desafiadoras para o pai e tornando-se uma ameaça àquela paz artificialmente conquistada.
O longa começa com uma gravação caseira em VHS e é pontuado pela mesma fita em diferentes momentos. O recurso está longe de ser novidade, mas, ao contrário de outros filmes que se apropriaram da “câmera na mão”, “Quando eu era Vivo” raramente apela para o susto.
O medo, aqui, é construído pacientemente e em todos os níveis: na trilha sonora, no ambiente, nas ações crescentemente excêntricas e, particularmente, na atuação de Marat Descartes – que vai de insosso a maníaco antes do filme terminar.
Do terror americano, Dutra empresta alguns truques para criar o clima: luzes piscantes, moças de vestidos longos e cabelos escorridos, o piano, as mãos compridas de unhas pretas, cadavéricas. Mas o sotaque brasileiro é mais forte. Vemos homenagens ao trash na temática ocultista (fala-se em Satã, exorcismo, sal grosso...) e no humor, que permeia toda a obra apesar da pesada carga dramática.
É difícil conter o sorriso diante de certos objetos nostálgicos dos anos 80, ou de um estranho programa de televisão com uma música ridícula. O exagero na imagem febril de Júnior, andando sorrateiro pela casa como um fantasma, também contribui para que se leve o filme “menos a sério”, como uma sátira de tudo o que a geração oitentista já pensou sobre o terror.
Também é claramente brasileira a contradição daquela família. A religiosidade, de um lado, com seu apego ao passado e suas superstições; do outro a limpeza do novo, do “clean”, da saúde, a vida nova de quem se recompõe de um trauma. Mas entender essa divisão não torna o filme mais fácil de decifrar. Como se mergulhássemos na loucura de Júnior (ou seria de seu pai?), logo percebemos que tudo ali pode não ser o que parece.
Assista se você:
- Gostava dos filmes de terror dos anos 80
- Quer prestigiar o cinema nacional
- Gostou do livro de Lourenço Mutarelli
Não assista se você:
- Não gosta de filmes sobre ocultismo
- Procura um filme mais "cabeça"
- Não gostou dos filmes anteriores de Marco Dutra (como "Trabalhar Cansa")
Por Juliana Varella
Atualizado em 29 Jan 2014.