De onde vem o impulso de guerra que leva homens formados, com esposas e filhos, a se alistarem voluntariamente num exército? Qual lado do ser humano justifica tamanha exposição à morte e ao assassinato - e qual lado, ainda mais mórbido, eleva esses homens ao posto de heróis? Essas são algumas das questões trabalhadas na base de sangue, poeira e uma atuação tensa de Bradley Cooper em “Sniper Americano”, novo longa de Clint Eastwood que concorre a seis Oscars.
O filme conta a história de Chris Kyle (Cooper), considerado o soldado mais letal do exército americano na guerra do Iraque, com mais de 160 mortos no currículo. Além de mostrar a experiência do protagonista em campo, o diretor remete à fórmula de outro filme seu, “A Conquista da Honra”, e se volta sobre a vida particular do sniper, enfocando seus dilemas familiares, a decisão de voltar ao front e a dificuldade de manter a cabeça longe da guerra.
Se analisarmos o cinema de Eastwood, de “Os Imperdoáveis” até “Sniper Americano”, algumas respostas preocupantes àquela primeira questão vêm à tona. Uma delas, que o impulso agressivo define a masculinidade de um homem (numa espécie de complexo de cowboy, às vezes literal). Outra, que o conceito de nação num país como os Estados Unidos pode se sobrepor ao de família e ao de humanidade.
No caso da primeira ideia, o filme não poderia ser mais didático: logo no início, vemos Chris Kyle (Cooper) e seu irmão mais novo envolvidos numa briga na escola. Para proteger o caçula, Kyle pula sobre o agressor e o ataca com socos, persistindo na violência mesmo depois de ter resolvido o problema. Seu pai aprova. Décadas depois, um veterano em recuperação pratica tiro ao alvo e, ao acertar, diz que finalmente recuperou seus colhões. O paralelo é nítido.
A guerra, aos olhos de Eastwood, é como uma briga de meninos. O "o irmão mais velho" quer proteger a família, mas não sabe como fazê-lo senão medindo a força física. Ou, no caso, o alcance dos rifles. Vence quem machucar mais o outro – mesmo que, no caminho, as duas partes se esqueçam do motivo pelo qual estavam brigando.
A segunda ideia é um pouco mais difícil de digerir para o público brasileiro - um povo que, via de regra, trocaria de país na primeira oportunidade, mas que, talvez por isso, tenha uma tolerância muito maior com culturas estrangeiras. Lá, no calor do pós-11 de setembro, qualquer ataque a um cidadão norte-americano passou a significar uma declaração de guerra.
Uma cena que explicita essa ansiedade coletiva por vingança é uma notícia que Kyle vê na TV, narrada da seguinte forma: “não sabemos o que ocasionou o ataque, mas alguém com certeza está contra os EUA”. É assim, sem saber por quê, que centenas de homens, jovens e adultos, obrigados ou voluntários, marcham rumo à morte (sua ou de um inimigo igualmente determinado), nas ruas empoeiradas do Iraque. E se iludem, acreditando que marcham em direção à glória.
Por Juliana Varella
Atualizado em 19 Fev 2015.