Já faz mais de 60 anos que Vladimir Nabokov publicou seu livro mais famoso e mais de 50 que Stanley Kubrick o transformou numa das obras mais polêmicas da história do cinema. “Lolita”. A infame história de amor entre um homem adulto e uma menina adolescente. Sedutora, culpada, ninfeta. Saltamos, então, para 2017 e para o burburinho na saída da sessão de um filme chamado “Una”, com Rooney Mara e Ben Mendelsohn... E é como se tempo nenhum tivesse passado.
“Una” tem seus problemas e eles são numerosos, mas as expressões de repulsa nada tinham a ver com isso. Como “Elle”, que às vésperas do Oscar causara alvoroço ao arriscar uma perspectiva mais “acinzentada” sobre um estupro, “Una” também tenta humanizar um tema inaceitável: o abuso de uma menor.
O filme, baseado numa peça chamada “Blackbird”, de David Harrower, traz Mara no papel do título. Ela é uma mulher que, 15 anos depois de ser estuprada pelo vizinho e passar por um processo judicial que o levou à cadeia por apenas quatro anos, decide confrontá-lo em seu local de trabalho e descobre que ele mudou de nome, apagou seu passado e vive sem precisar lidar com as consequências de seu crime.
Isso, porém, é o que a consciência do público traz para o filme e não o que, de fato, se desenha na tela. O que vemos é um casal apaixonado e ingênuo que, diante da intervenção educadora da sociedade, percebe que seu relacionamento foi um erro e desenvolve um ódio mútuo que, eventualmente, se transfigura de volta à forma de atração. É, em outras palavras, um romance proibido entre uma menina de 13 e um homem de, sabe-se lá, 30 e poucos.
Mas acalmem-se. Ao que tudo indica, isso era para ser apenas uma superfície permeada por uma intenção muito mais questionadora. Uma tragédia, talvez, sobre a menina que nunca mais conseguiu se desprender de uma ilusão.
Infelizmente, essa intenção não transparece com clareza suficiente, talvez pela inexperiência do diretor Benedict Andrews. O texto, afinal, acerta ao narrar os eventos do passado sob a perspectiva questionável dos dois envolvidos (um, manipulador; a outra, iludida), mas Andrews toma a decisão errada ao colocar essas narrativas na forma de flashbacks, sem nada que as coloque em cheque além do desgosto da audiência. O resultado é que o filme pode se passar por apologético a um crime indefensável, mesmo que não seja.
Outra carta desperdiçada no filme é o ator britânico Riz Ahmed (“Rogue One: Uma História Star Wars”), que parece existir apenas para cumprir uma função prática de roteiro. Intenso e carismático, ele assume o papel de um funcionário do ex-convicto que tem um contato breve com Una e acaba ajudando-a a se encontrar com ele novamente. Mas ele não tem uma história, não tem direito a uma reação (mesmo expressando desconfiança), não tem uma influência real nos personagens.
Sua função, como tantas outras coisas no filme, poderia ter sido muito mais relevante se a obra se prolongasse por mais 15 ou 20 minutos. Curta demais, ela deixa a sensação de estar inacabada e suas pontas soltas fazem com que o diretor pareça inseguro. O público, então, toma a liberdade de amarrá-las como preferir e isso, diante de um tema como este, pode ser, simplesmente, catastrófico.
“Una” estreia nos cinemas no dia 13 de abril.
Por Juliana Varella
Atualizado em 6 Abr 2017.