Ninguém questiona a força e a importância de Raul Seixas. Morto há mais de 20 anos, o cantor baiano ainda é lembrado por todos quando o assunto é rock nacional. Os gritos de “Toca Raul” disparados por fãs em qualquer show de qualquer banda continuam recorrentes nos dias de hoje.
E para incorporar ainda mais a figura do Maluco Beleza, nesta sexta, 23, estreia nos cinemas de todo o país o documentário Raul: O início, o fim e o meio. O longa mostra a conturbada vida pessoal e profissional do roqueiro - a infância na Bahia, a descoberta e fixação por Elvis Presley, a frutífera parceira com o hoje escritor Paulo Coelho, a destruição de sua saúde física e mental por conta de problemas com o álcool - além de trazer vídeos até então inéditos da carreira de Raul.
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O diretor Walter Carvalho, que já trabalhou em outros projetos cinematográficos relacionados a música (como o longa Cazuza – O Tempo Não Para), além de ter seu nome envolvido em grandes sucessos do cinema nacional - Central do Brasil e Carandiru - conta o que lhe aproximou do projeto: “O que me motivou foi a identificação com esse lado colonizado de gostar de Elvis Presley”. E revela algumas semelhanças como o Maluco Beleza: “Se eu tivesse vocação e talento musical eu teria sido roqueiro”, diz.
Walter Carvalho durante as gravações do documentário ao lado de Caetano Veloso
Em conversa com o Guia da Semana, Walter Carvalho revela os bastidores da produção de Raul: O início, o fim e o meio - como a sequência em que Paulo Coelho é atormentado por uma mosca durante a entrevista e a chama de "Raul" - e tenta explicar a magia que o roqueiro ainda exerce nas pessoas: “Eu que fiz o filme não entendo isso”.
Veja a entrevista completa:
A importância do Maluco Beleza para o diretor
Raul representa um artista da minha geração. Eu nunca fui um fã ardoroso, apenas gostava muito de vê-lo. Eu era fã de Chico e Caetano. A minha geração viu os festivais de 1966, 67, 68... O Raul era aquele artista que não se caracterizava por sua posição naquele momento da música brasileira, e sim por sua irreverência. E eu também adorava essa “sacação” extraordinária de misturar Elvis Presley com Luis Gonzaga, Little Richard com Jackson do Pandeiro...
Por que documentar Raul Seixas
Foi um convite. Eu não escolhi Raul, Raul me escolheu. O que me motivou foi a identificação com esse lado colonizado de gostar de Elvis Presley e imitá-lo. Isso me motivou. E foi nesse viés que eu fui descobrindo o valor, a importância e o legado de Raul Seixas.
Criando um “novo” Raul
Esse Raul que está no documentário é o Raul que eu encontrei. É o Raul que eu inventei a partir da memória das pessoas: Olival (amigo de infância), o irmão, as mulheres, as filhas, os amigos, os produtores, os parceiros. A partir dessa memória eu inventei o Raul.
MPB x Jovem Guarda x Raul Seixas
Havia uma divisão naquela época: os caras da MPB e os caras da Jovem Guarda. Só que o diferencial do Raul é que ele não ficou na coisa da Jovem Guarda, apesar de ter feito versões de músicas americanas e de ter tocado com eles. Ele não ficou só nisso, como ficaram todos os outros: Jerry Adriani, Wanderlei Cardoso, Tony Campello, Celly Campello, Sergio Murilo...
O sucesso astronômico
Raul é meteórico. Se fizermos as contas, de 1972 a 1989 (seu primeiro disco, Krig-ha, Bandolo!, é de 1793; e seu último, A Panela do Diabo, gravado com Marcelo Nova, saiu em 1989) são 17 anos. Que artista vendeu os discos que Raul vendeu e faz o sucesso que ele faz até hoje com apenas 17 anos de carreira? Roberto Carlos está há 50 anos na parada. Todos os grandes estão na casa dos 70 anos, estão ficando senhores. Raul morreu velho fisicamente, mas tinha 44 anos em 1989.
Walter Carvalho mostra cópia do quadro de entrevistas com as conexões que criaram Raul: O início, o fim e o meio
Processo de produção de Raul: O início, o fim e o meio
Eu recebi o convite para dirigir o documentário em 2008. Começamos a filmar em abril de 2009. Foram várias etapas. Filmamos primeiro em Salvador, depois São Paulo, Rio de Janeiro, fomos para a Suíça entrevistar o Paulo Coelho e depois para os EUA falar com as ex-esposas, as filhas do Raul e o Jay Vaquer (guitarrista do cantor na década de 1970). Foram 94 entrevistas. Acho que ninguém no cinema brasileiro entrevistou esse número de pessoas. Durante um pedaço de 2009 e todo o ano de 2010 montei o filme.
Explicando a já antológica sequência de Paulo Coelho e a mosca na Suíça
Eu costumo dizer que o documentarista tem que ter a sorte do goleiro na hora do pênalti. E eu tive essa sorte. Na medida em que a mosca entrou, eu peguei um pênalti. Quando ele resolve dizer que não tem mosca em Genebra eu peguei outro pênalti. Quando ele diz “Raul” eu peguei outro pênalti. O Paulo chama isso de sorte, eu chamo de acaso. E você tem que estar esperto para ele.
Relação entre Raul Seixas e a contracultura (Walter usa uma cena de Easy Rider, de 1969, dirigido e estrelado por Dennis Hopper, para ilustrar o documentário e explica o por quê)
Raul desperta para a música nos anos 1960. Na mesma época, os beatniks e a leitura de “O Uivo”, do Allen Ginsberg, em São Francisco, fazem surgir a contracultura nos EUA, que também se espalha pela Europa e pelo resto do mundo. O resultado disso está impregnado de muitas formas, com Bob Dylan, Beatles, Rolling Stones... Tudo isso é fruto da contracultura. No cinema, o expoente da contracultura é Easy Rider. Essa postura da contracultura se alastrou e foi parar no Nordeste. A contracultura chegou para Raul com mais rapidez e eficiência porque ele era amigo dos funcionários da embaixada americana. Os pais traziam os discos e eles ouviam direto.
Raul Seixas, o conquistador
Todas as suas ex-mulheres ainda são muito apaixonadas por ele. Isso está impresso no filme. E cada uma diz que era a mulher de verdade do Raul. É curioso isso. Eu queria ter esse charme.
O verdadeiro amor do Maluco Beleza
Raul morreu por amor. Quando ele resolve deixar Edith (sua primeira esposa e única que se recusou a falar com Walter Carvalho) e casa com outra mulher, acha que vai ficar tudo certo. Aí ela se manda e diz “tô fora”. E ele passa a vida inteira tentando reatar com essa mulher, ver a filha (Simone, que hoje vive nos EUA). Ele nunca mais a viu. Acho que isso ajudou no processo de boêmia, de autodestruição dele. Em um depoimento da mãe do Raul ela diz: “Toda vez que eu falo com Raul sobre Edith ele chora”. O Silvio Passos, presidente do fã clube oficial do Raul, me disse que o músico chorava copiosamente todas as vezes que falava de Edith.
Veja o trailer de Raul: O início, o fim e o meio:
Por Anderson Nascimento
Atualizado em 10 Abr 2012.