Guia da Semana

Pentacampeã mundial e seis vezes campeã panamericana e brasileira de jiu-jitsu. Com um corpo escultural e um currículo de fazer inveja a qualquer marmanjo, Kyra Gracie, 26, é a única mulher faixa-preta da família Gracie. Em um ambiente majoritariamente masculino, ela não abre mão do quimono rosa, esmalte ou make feita, e procura levar um pouco de feminilidade para o combate.

Para se tornar musa em cima dos tatames, a moça de 1,69 m teve que superar o preconceito do esporte e da própria família, que não levou a sério a sua escolha. Tanto esforço, entretanto, rendeu-lhe frutos como o seu último título mundial. No campeonato disputado na cidade norte-americana de Los Angeles, em junho de 2011, a morena confirmou o favoritismo na categoria peso-leve (63 kg).

O Guia da Semana conversou com a atleta, que não tem medo de cara feia. Ela afirma já ter recebido várias gracinhas e propostas masculinas do tipo: "Te dou casa, comida e quimono lavado", embora, na hora do vamos ver, assuste a maioria dos homens quando fala que é faixa preta na arte marcial e parente da lendária família que deu origem ao Brazilian Jiu-Jitsu e idealizou o MMA. Confira!


*Início e dieta

Guia da Semana: Como foi sua entrada no esporte?
Kyra Gracie: Sou da família Gracie e desde que nasci tive um quimoninho. Cresci vendo meus familiares lutarem e as brincadeiras em casa sempre eram no tatame. Como achava que luta era coisa de menino, cheguei a fazer balé também. Com 11 anos, comecei a competir. Depois disso, fui levando mais a sério e decidi que era isso que queria para minha vida.

Qual a sua rotina de treinamento?
Faço judô, wrestling, boxe, mas a que eu domino mesmo é o jiu-jitsu. Faço musculação três vezes por semana, treino lutas de duas a três vezes por dia. Para ter uma ideia, começo às 8h da manhã e termino às 22h da noite, nesse meio tempo ainda encaixo fisioterapia e massagem. É praticamente o dia inteiro dedicado ao esporte.

Como é sua dieta?
É a dieta Gracie, baseada em uma combinação de alimentos e tem como objetivo a vida longa e saudável. Foi o meu bisavô, Carlos Gracie, que desenvolveu, porque a família era muito franzina e várias pessoas tinham problema de saúde. Ele testou nos filhos, e como ele tinha 21, teve muitas cobaias (risos). Tanto que a nova geração da família está com todo mundo acima dos 90 kg e são bem altos.

Qual a restrição tem essa dieta?
Você não pode comer carne de porco de jeito nenhum. Carne bovina somente uma vez por semana. Evitar ao máximo chocolate e açúcar. Além disso, as comidas são divididas em tabelas, cada tabela tem uma combinação e proibição. Assim como o jiu, não faço nenhum esforço para fazer a dieta, ela é bem natural para mim. Agora, antes do campeonato, ela fica mais rígida e não posso fugir nem um pouco.


*Feminilidade no esporte

O jiu-jitsu já perdeu bastante o estigma de ser um esporte masculino, mas ainda assim existem praticantes com nível competitivo majoritariamente homens. Como são os seus treinamentos e como você lida com isso?
O jiu-jitsu feminino vem crescendo muito. É claro que temos mais praticantes masculinos, mas fico feliz quando vejo mulheres nas academias fazendo a arte, porque quando entrei não tinha nenhuma. O meu treinamento faço sempre com homem, porque não tem nenhuma menina graduada na faixa marrom ou preta para lutar comigo. Até prefiro, porque a força é maior e, quando você fica acostumada a treinar com uma pessoa mais forte, não sente tanta diferença quando entra no campeonato.

O homem leva muita rivalidade em esportes competitivos. Você, com certeza, já deve ter ganhado de alguns no tatame. Como eles convivem com isso?
É bom, porque eles exigem mais de mim, porque tem aquela coisa de não querer perder pra mulher. Então eles vêm com tudo. Mas, quando ganho, os outros fazem sempre aquela brincadeirinha, que perdeu pra mulher...

Dá pra manter a vaidade feminina nos tatames? Como faz isso?
Eu sou muito vaidosa, adoro ir para o salão e passo horas lá. Tem coisas que dá pra fazer, outras não. Unha grande não dá, já que machuca o adversário, mas estou sempre com ela feita, pintada de branquinha ou rosa, da cor do quimono. A gente tem que ter um cuidado especial com cabelos, pele, mas nada que atrapalhe, não.

O quimono é rosa?
É rosa, sim. Sempre que eu consigo colocar uma coisa feminina no jiu-jitsu, coloco. As pessoas normalmente têm um pré-conceito na cabeça. Eles pensam em uma lutadora de jiu-jitsu e já imaginam uma menina grande, cheia de tatuagens e falando gírias igual a menino. Quando elas veem que não é isso, ficam surpresas.


*Vida pessoal

Você tem namorado?
Tenho, ele é da seleção brasileira de judô e, por ser atleta, compreende muito mais. Temos uma vida bem parecida de viagens, treinamentos, então fica mais fácil para me entender.

Você carrega dois estigmas que repelem os homens: ser da família Gracie e lutar jiu-jitsu. Quando estava solteira, era difícil se relacionar?
É engraçado. Quando eles sabem que sou Gracie, eles até brincam 'Ih caramba, tanto tio pra pedir permissão...'. Outros até comentavam 'Não vou chegar nela, não, que tem muito faixa preta tomando conta!'.

Estando em uma família consagrada por desenvolver as artes marciais no Brasil, você recebeu apoio deles para lutar?
Às vezes as pessoas acham que, por ser uma Gracie, tive muito incentivo. Pelo contrário, tive que realmente ir contra os meus tios pra poder viver da luta. Quando comecei realmente a competir internacionalmente, meus tios estranharam, chegaram pra mim e pediram para deixar isso pra lá, para fazer outra coisa porque seria muito difícil viver de jiu-jitsu. É engraçado, porque agora eles falam que se arrependem de ter dito aquilo, porque eu sou o maior orgulho deles e eles me dão maior incentivo. Agora, as meninas mais novas da minha família veem em mim a possibilidade de lutar e carregar o nome Gracie, porque isso nunca foi pensado, uma família totalmente machista que, quando alguém tinha um filho homem, todo mundo ficava empolgado, mas, quando nascia mulher, desanimavam. Eu mudei e mostrei que poderia carregar o nome da família mesmo sendo uma menina.

Sua mãe te incentivou no jiu-jitsu?
Ela treinou até a faixa azul e aí os irmãos dela não deixaram continuar, muito por causa do ciúme. Por outro lado, quando eles quiseram me tirar, foi ela que me deu o maior apoio e a força para continuar no jiu-jitsu.

A maioria das mulheres tem encanação com o peso, nunca acham que está com o corpo ideal. Você tem isso também?
É mal de mulher. Volta e meia acho que tenho que emagrecer, fazer alguma coisa, não tem jeito.


*Carreira e dica

Qual o título mais marcante na sua vida?
Acho que foi esse último mundial, em 2010, porque fiquei em segundo lugar em 2009 e estava com uma lesão na coluna que me deixou seis meses parada. Fiquei um ano afastada das competições, voltei em 2010 direto para o mundial. Foi uma superação para mim. Acho que meu primeiro mundial também foi marcante, eu tinha 19 anos e foi o primeiro teste como profissional.

O que você ainda almeja no esporte?
Na verdade, eu tenho todos os títulos importantes no esporte. Ainda tenho muito caminho pela frente pra melhorar, ganhar mais campeonatos, colocar realmente meu nome na história do jiu-jitsu e servir de exemplo. É por isso que amo fazer o que faço e cuido de um projeto social que ajuda mais de 150 crianças. Com certeza, quando parar de lutar, estarei envolvida com alguma coisa da modalidade.

Dê um conselho para aquelas mulheres que querem entrar nas artes marciais mais ainda tem receio.
Acho que o principal é escolher uma academia filiada à confederação. É essencial ter um mestre, que acho que ele é que vai te guiar para tudo, porque o jiu-jitsu te ensina dentro e fora do tatame. Para as meninas que querem ficar com corpo legal, o jiu-jitsu faz você perder até 1500 calorias por treino, trabalha todos os músculos do corpo, além do benefício da defesa pessoal. O jiu é uma das únicas artes marciais onde uma pessoa mais fraca pode vencer a mais forte através de alavancas.

Por Leonardo Filomeno

Atualizado em 10 Abr 2012.