Fotos: Divulgação |
Em outubro de 1974, o cantor Tim Maia era a principal atração de um programa na TV Globo. Sem aviso prévio nenhum, ele e os músicos surgiram no palco vestidos de branco dos pés à cabeça, com os instrumentos musicais igualmente pintados da mesma cor. Assim, ele anunciou que não cantaria seus sucessos. Na realidade, apresentaria músicas novas, que faziam referência à seita Racional Superior, para qual havia acabado de se converter. O surto esotérico do cantor, famoso pela potência da voz e por integrar o soul e o funk aos ritmos brasileiros, sem falar nas bebedeiras ou no uso de substâncias ilícitas, durou pouco mais de um ano e rendeu dois discos lançados, Tim Maia Racional Vol.1 e Vol. 2, além de um terceiro, ainda inédito, chamado Tim Maia Racional Vol. 3.
No início de 2011, uma coleção que inclui os 15 principais álbuns do músico foi lançada pela editora Abril em parceria com a gravadora Sony Music Entertainment, incluindo os três volumes de Tim Maia Racional. Porém, a aquisição do volume inédito, que não será vendido separadamente, estará veiculada à compra dos 14 volumes anteriores. O conjunto reúne obras como Tim Maia volume I, dos hits Coronel Antônio Bento, Primavera e Azul da cor do mar, Tim Maia volume II, com Não quero dinheiro (Só quero amar), Tim Maia volume III e Tim Maia volume IV, no qual se destacaram Gostava tanto de você (de Edson Trindade) e Réu confesso.
Movimento Racional
Fotos: Arquivo pessoal/Divulgação |
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Nelson Motta e Tim Maia. |
Na biografia que escreveu sobre Tim Maia, intitulada Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia (Editora Objetiva), Nelson Motta conta como o cantor, até então um ateu declarado, envolveu-se com a seita Racional Superior. Tudo começou quando ele estava na casa de um amigo e decidiu folhear um livro jogado em cima da mesa, chamado Universo em Desencanto. Nesta hora, escreve Motta, Tim finalmente descobriu que tinha resposta para tudo: quem somos, de onde viemos e para onde vamos.
O tal livro, psicografado pelo Mestre Manoel Jacintho Coelho, sumo sacerdote do Racional Superior, dizia o seguinte: "Nós somos originários de um planeta distante e perfeito e estamos na Terra exilados. Aqui, nós vivemos na animalidade, sujos e magnetizados, sofrendo nesse vale de lágrimas. A única salvação é a imunização racional, que se conquista lendo o livro e seguindo seus ensinamentos. Só assim podemos nos purificar e ser resgatados pelos discos voadores de volta ao nosso planeta de origem: o racional superior".
Encantado com tamanho esclarecimento, o cantor decidiu fazer parte daquele universo. Logo, apareceu no estúdio como um novo homem: arrumado, penteado e todo vestido de branco. Também informou aos músicos que o disco em processo de produção iria mudar radicalmente, pois estava produzindo novas letras para as bases já gravadas. Elas não falariam mais sobre sexo, drogas e amores, mas seriam dedicadas a divulgar a verdade libertadora do Racional Superior.
Outras atitudes de Tim foram mudar o nome da banda, que passou a chamar Seroma Racional, e impor que os músicos se convertessem para continuar trabalhando com ele. Isso significava que todos teriam que andar de branco, não fumar maconha e nem cigarro, muito menos tomar ácido e beber álcool. A carne vermelha também foi banida, e o sexo era reservado apenas para procriação.
Nessa época, nasceram os dois discos, Racional Vol. 1 e Vol. 2 que, apesar da pregação nas letras, tinham muita qualidade musical. Contudo, a gravadora se recusou a lançá-los. Tim, então, propôs o cancelamento do contrato e comprou as dez fitas gravadas, com o intuito de ele mesmo prensar os discos, distribuir e vender. Nascia a Seroma Discos.
Quando os álbuns foram lançados, ninguém entendeu nada. A música Que beleza ainda tocou um pouco, mas todo o resto foi bastante criticado. Os fãs dos hits dançantes e românticos também se assustaram com o teor dos LPs. Por fim, os shows rarearam, quase ninguém pagava e, quando aconteciam, eram frequentados apenas por membros da Racional Superior.
Fim de Fase
Durante a biografia, Nelson Motta conta que, ao parar e analisar a situação, Tim percebeu que estava morando mal, trabalhando muito, fazendo pouquíssimos shows e mesmo assim só para racionais. Não fumava, não bebia, não fazia sexo e muito menos via dinheiro em caixa. Era setembro de 1975 quando ele decidiu abandonar a Racional Superior. Assim, voltou para o antigo apartamento, tirou e queimou a roupa branca. Nu e furioso, foi até a janela e começou a gritar para a rua, bem alto, que Manoel Jacinto era um pilantra.
Depois, voltou a ser o síndico de sempre: chamou a imprensa para declarar que havia sido enganado e roubado pelo ex-guru, chamando-o, inclusive, de velho tarado. E mandou queimar os álbuns lançados naquele período. Mesmo a contragosto do músico, que renegou a época até a morte, em 15 de março de 1998, o relançamento dessas gravações representa uma oportunidade única para o grande público rememorar o talento deste gordinho da Tijuca, que viveu intensamente e deixou grandes pérolas de herança para a música brasileira.
Atualizado em 1 Dez 2011.