Guia da Semana

Foto: sxc.hu


As notícias sobre o filme Tropa de Elite, de José Padilha são um furor de imprensa, do jeito que há muito não se via no cinema nacional. Talvez o fato da película ter sido um sucesso de venda antes mesmo do lançamento chamou a atenção de pessoas. Pois para essas pessoas pode ser que o filme passasse batido como mais um filme brasileiro violento. Talvez porque a pirataria tenha contribuído para a divulgação. Talvez o filme seja simplesmente um bom exemplar do que se chama hoje da "retomada" do cinema nacional.

Neste furacão de informações duas coisas me chamaram a atenção, e não tem nada a ver com direito autoral, pirataria ou com a obra em si. A primeira delas foi que os uniformes do BOPE (Batalhão de Operações Especiais), que o filme retrata, simplesmente se esgotaram nas lojas de uniformes. Todo mundo está comprando. O kit contém um blusão, uma calça, uma boina e o par de coturnos e custa R$ 230. Como se trata do uniforme exato que a polícia usa, feito com rip stop (um tecido mais difícil de rasgar), pode-se argumentar que o preço está bem barato para roupas de qualidade. Mas ainda é bom notar que um DVD comprado no camelô à R$ 5 está gerando uma compra de R$ 230.

A segunda coisa que me chamou muito a atenção foi o fato de pessoas se impressionarem com isso. É surpreendente que alguém tenha o desejo de fazer uma compra desse tamanho motivada por um filme? Eu não acho. Acho natural. Vou evitar totalmente - de propósito - a discussão a respeito do teor do filme, se incita a violência. Também não quero discutir se as pessoas que estão procurando estes uniformes estão buscando um veículo para viabilizar a sensação de poder que o policial tem. Essas discussões surgiram porque a obra de arte de José Padilha produziu um dos maiores e melhores efeitos que poderia: fez as pessoas pensarem. Salva de palmas para o homem, porque ele sabe o que está fazendo.

Uma outra função possível da obra de arte é poder causar sensações. Tropa de Elite conseguiu causar uma emoção tão forte na juventude que fez com que muita gente fosse voando até a loja mais próxima (que não deve ter sido nem um pouco próxima) para gastar meio salário mínimo numa roupa que não pode ser usada em qualquer ocasião. Sim, o cinema tem esse poder, mas as outras artes também têm. E a necessidade de vivenciar essa emoção é o que faz com que legiões de fãs comprem os discos, usem as roupas, aprendam a cantar as músicas, comprem camisetas, bonés, chaveiros, canetas, mouse-pads, canecas, livro, video clips, etc, etc, etc.

Essas "mercadorias" são consideradas supérfluas e parafernália para muitos. Não há como discordar. Mas a necessidade que o fã (e olha que eu já nem estou mais chamando de público) tem de se relacionar mais e mais com a obra que ele gosta é óbvia. Tão claro que, por mais que a produção da Tropa de Elite não ofereça nem um saco de pipoca com o nome e a marca do filme, os fãs foram lá e deram um jeito de adquirir uma parte daquela poderosa emoção que o filme causou para eles. É típico do ser humano e não adianta reprimir. Aliás, em bom marketês é exatamente o que se chama de "demanda reprimida". Existe a necessidade, a vontade, o desejo e pelo jeito, a grana também.

Historicamente, a relação entre produtos comerciais e obras de arte é bem distante, exceto na televisão e no cinema, especialmente dos anos 70 para cá. George Lucas só foi assinar o contrato de Star Wars quando ele teve domínio total sobre a venda de todos os brinquedos relacionados ao filme. Riram da cara dele na ocasião. G.I. Joe (os Comandos em Ação, que passava na Globo de manhã) e os Transformers surgiram a partir dos brinquedos. Os desenhos animados foram feitos para serem apenas propagandas. Nada mal.

Muito pouco explorada no Brasil, essa técnica de marketing movimenta mercados interessantes. Não existe um museu na Europa que não despeje o visitante diretamente para dentro de um gift shop ao invés de jogá-lo de volta na rua. Bandas de rock também produzem camisetas, adesivos, bonés...

O Iron Maiden chegou a ter seu próprio jogo de computador, Ed Hunter. No Brasil as possibilidades são muito poucas. E não há motivo nenhum para isso. Até o esporte poderia se beneficiar muito mais da emoção causada nos torcedores e deixar que eles levassem um pouco dessa experiência para casa. O torcedor de futebol compra briga na rua pelo time que ama não compraria todo tipo de parafernália?

Não é pela falta de criatividade do publicitário brasileiro, que ganha Cannes a torto e a direita. Não é pela falta de comprador, como se pôde ver pelos uniformes do BOPE. Seria falta de vontade do artista? Seria uma repressão de não querer vulgarizar a sua arte? Ou seria apenas falta de jogo de cintura da produção?

Eu posso até escutar os argumentos mais revoltados sobre a "coisificação" da arte, o capitalismo desenfreado e tudo o mais que vem junto. Não tiro sua razão. Uma camiseta, um boné ou um brinquedo até podem ser usados como uma amostra pequena, artificial e empobrecedora de uma obra de arte, seja ela qual for. E são mesmo. Pobres, não dão a dimensão da arte. Mas deveriam?

Nunca alguém deveria esperar sair um filme a partir de um livro para poder conhecer a história. Melhor é ler o livro. Especialmente O Primo Basílio e Dom Casmurro que caem no vestibular. A função da mercadoria não é essa. Não é para substituir a obra. É para chamar a atenção sobre ela.

No caso do cinema, mercadorias têm ajudado muito nas bilheterias e, pelo motivo certo ou não, mais pessoas tem ido atrás de cultura. Mais pessoas podem discutir, afinal de contas se Tropa de Elite trata nossos policiais como heróis ou como torturadores desalmados. Mais pessoas podem discutir se José Padilha é um bom diretor ou não.

E a arte cumpre mais uma vez um de seus principais papéis na sociedade.

Leia as colunas anteriores de Felipe Tazzo:

? Razões pelas quais o CD não vai desaparecer


? Diversão e/ou arte


? Brigando por uma fatia do bolo


? Cultura e mercado. Cultura é um mercado?


? Carteirinha pra cá, carteirinha pra lá...


Quem é o colunista: Um tal de Felipe Tazzo.

O que faz:Publicitário, produtor cultural e da meia noite às seis, escritor. Autor de O Livro Das Coisas Que Acontecem Por Aí

Pecado gastronômico: Tudo o que for picante.


Melhor lugar do Brasil: Os butequinhos sujos do interiorrrrrrrr.

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Atualizado em 6 Set 2011.