Na última semana, uma notícia abalou o mundo artístico e gerou uma repentina sensação de insegurança para todo o mercado internacional de cinema e TV – em especial, o britânico. Após uma consulta popular, 52% dos ingleses votaram pela saída do Reino Unido da União Europeia (movimento que ficou conhecido como “Brexit”), grupo do qual fizera parte desde 1973, mas cuja moeda única (o Euro) nunca adotara.
O resultado inesperado vem apenas um mês após a conquista da Palma de Ouro por uma coprodução britânica financiada, em parte, por um fundo unificado europeu. “I, Daniel Blake”, de Ken Loach, de certa forma serviu de aviso para os votantes no último 23 de junho, já que mostrou nas telas uma Inglaterra assolada por serviços sociais decadentes e falta de oportunidades. Seria essa a realidade pré-Brexit ou pós-Brexit?
Seja como for, a reação geral da classe artística tem sido de descrença, indignação e desesperança. “Acho que nunca quis tanto que houvesse mágica”, lamentou a autora J.K.Rowling no Twitter. Para o diretor da Independent Film & TV Alliance, Michael Ryan, “Produzir filmes e programas televisivos é um negócio caro e arriscado e ter certeza de quais são as regras afetando o mercado é uma necessidade”. Ryan também afirmou que o evento “será devastador” para o Reino Unido.
A verdade é que ninguém sabe ao certo quais serão as consequências do Brexit para o mercado cinematográfico, mas alguns desdobramentos se mostram prováveis:
1. Menos coproduções
Uma das vantagens de integrar a União Europeia era poder, literalmente, dividir as contas com outros países sem esbarrar na burocracia. No caso do cinema, muitos filmes menores costumam se beneficiar de coproduções, já que os riscos ficam mais baixos quando mais de um país está envolvido (o investimento de cada um é menor) e, desta forma, é possível aproveitar vantagens mercadológicas locais (como fundos específicos de investimento).
2. Menos dinheiro
A conta é simples: com a saída da UE, o valor da Libra sofreu uma queda imediata e todos os investimentos em Euro ou Dólar, automaticamente, ficaram mais caros para os ingleses. Além disso, a UE oferecia um programa comum de financiamento que impulsionou o mercado cinematográfico britânico, entre 2007 e 2015, com €130 mi – contribuindo para produções como “O Discurso do Rei”, “Amy”, “I, Daniel Blake”, “Quem Quer Ser Um Milionário?” e “Sob a Pele”.
3. Menos filmes britânicos em cartaz na Europa
Atualmente, filmes europeus têm incentivos para serem exibidos em salas de cinema europeias, como forma de tornar a competição com os blockbusters hollywoodianos mais equilibrada. O mesmo vale – talvez especialmente – para os programas de TV. Com o Brexit, filmes produzidos no Reino Unido passam a ser classificados como “estrangeiros” e, portanto, passam a concorrer diretamente com filmes americanos por um espaço no mercado.
Vale considerar que, em 2015, mais de 40% dos longas britânicos foram exportados para a UE, número que superou o da exportação para os Estados Unidos.
4. Menos filmes europeus em cartaz no Reino Unido
O que vale para um lado, vale para o outro. Com a saída da UE, filmes europeus que não sejam do Reino Unido passam a ser encarados como “estrangeiros” e submetidos às correspondentes taxas. Com a desvalorização da Libra, esses filmes também se tornarão mais caros, reduzindo potencialmente o acesso dos ingleses a produções francesas ou alemãs, por exemplo.
5. O Reino Unido como locação
Não é só a produção interna do Reino Unido que pode sofrer consequências do referendo, mas também a produção estrangeira em território inglês. Obras como “Star Wars: O Despertar da Força”, “Vingadores: Era de Ultron” e, é claro, a série “Game of Thrones”, foram filmadas inteira ou parcialmente no Reino Unido, incentivadas por atrativos fiscais que podem, eventualmente, deixar de existir. No caso da série da HBO, uma coprodução, havia ainda a preocupação com a verba, financiada em parte pela UE. Segundo o canal, porém, a expectativa é que a série não seja afetada pelas mudanças.
6. Invasão hollywoodiana
A relação do cinema europeu com o americano sempre foi de amor e ódio. Enquanto Hollywood recorre a estúdios europeus (como o Pinewood, na Inglaterra) para filmar com preços mais baixos e aproveitar as belezas naturais (como os campos da Irlanda), esses destinos se beneficiam do investimento americano e, logicamente, das bilheterias assombrosas que esses filmes trazem em qualquer região do mundo.
A relação, porém, era mais amistosa quando as produções nacionais tinham apoio da gigantesca UE e podiam sobreviver sem serem engolidos pela invasão de blockbusters – que, mesmo antes do Brexit, já representavam a maior parte do rendimento do mercado de cinema no Reino Unido. Outro ponto a ser levantado é que esses blockbusters, mesmo tendo sido rodados no Reino Unido, ficarão mais caros para os distribuidores britânicos.
7. Custos mais altos para locomoção de pessoal e equipamentos
Vocês sabem: viajar para fora do país é sempre uma dor de cabeça: vistos, taxas, passaportes... E isso vai passar a valer para qualquer funcionário não-britânico que queira trabalhar num filme no Reino Unido ou vice-versa – o que, até agora, era equivalente a trabalhar em outra cidade, não em outro país. O mesmo vale para equipamentos, que passarão a ser importados (ou exportados) e poderão ser alvo de taxas e burocracias que dificultarão especialmente as produções menores.
O que percebemos, observando esses pontos, é que a separação do Reino Unido do resto da União Europeia pode não ser sentido com tanta intensidade por grandes produtores com experiência no mercado internacional e dinheiro suficiente para aguentar o baque nos primeiros meses. A conta cairá, mesmo, sobre as produções menores e independentes – como aquela, que ganhou a Palma de Ouro um mês atrás –, que terão que se contorcer para encontrar visibilidade e financiamento em meio à crise que, certamente virá.
Por Juliana Varella
Atualizado em 30 Jun 2016.