A discussão acerca de quem inventou o cinema ainda não acabou. E nem deve acabar. Isso porque a autoria de um dos mais importantes feitos da história da arte depende da nacionalidade do autor que escreve a história. Os irmãos Lumière, responsáveis pela primeira exibição oficial do cinema em 28 de dezembro de 1895, em Paris, têm o crédito porque foram mais espertos na medida em que fizeram da projeção, um espetáculo. Porém, cerca de um ano antes, o norte-americano Thomaz Edison havia criado o cinetoscópio, quando uma seqüência de fotografias forma uma história e podia ser visto apenas por uma pessoa de cada vez.
Cinema, aliás, nada mais é que fotogramas que, quando vistos em rotação, dão idéia de movimento. E isso só é possível porque o olho humano tem um "defeito" chamado "persistência retiniana" (fato que faz com que uma imagem permaneça fixa na retina por frações de segundos mesmo após desviar o olhar).
Pois bem. Deixando as brigas sobre a invenção do cinema para os franceses, alemães, ingleses e norte-americanos, o que importa para nós, neste momento, é que esses experimentos só serviram para nos deixar um dos mais importantes feitos do século XIX.
E foi a partir do início do século XX que muitos resolveram contar as suas histórias no cinema. Então, artistas do teatro, como Georges Méliès, e o empreendedor Charles Pathé levaram seus conhecimentos para os estúdios e começaram a filmar histórias mais complexas e em um ritmo mais industrial que aquelas que haviam sido feitas até então.
Nos Estados Unidos, David Griffith era destaque. Ele foi um dos ousados que começou a fazer o enquadramento em plano americano (da canela para cima), ao contrário do que vinha sendo feito antes (plano médio ou corpo inteiro). São dele os filmes O Nascimento de uma Nação (1915) e Intolerância (1916), já em DVD. Em meados dos anos 1920, o cinema começou a mostrar suas obras-primas e que podem ser vistas nos dias de hoje. Ou melhor: se você gosta muito de cinema, estas obras devem ser obrigatórias na sua cinemateca!
Charles Chaplin, o ator e diretor inglês que fez sucesso nos Estados Unidos, é um dos responsáveis pela beleza do cinema silencioso. Disponíveis em DVD, seus filmes devem ser vistos e revistos. A sutileza das piadas, principalmente as que ele construiu com o seu personagem Carlitos, são excelentes. Não quero ficar aqui chovendo no molhando, engrandecendo ainda mais as obras de Chaplin, até porque gênio não precisa disso, mas é importantíssimo lembrar, uma vez que muitas pessoas não dão importância ao cinema mudo e, sem ele, não teríamos o que temos hoje.
Tempos Modernos, de 1936, é um clássico que conta a história do seu tempo. Em um pós-guerra e logo em seguida à quebra da Bolsa de Nova York, que ocorreu em 1929, quando a população mundial estava desempregada e com fome, ele retrata os problemas sociais daquele povo de forma engraçada e genuinamente inglesa. A cena com as máquinas girando é antológica e a esteira rolante onde ele aparece apertando parafusos é como a que Henry Ford instalou em sua fábrica de automóveis, no início do século XX. Por conta dessas imagens, aliás, Chaplin foi acusado por plagiar o filme A Nós Liberdade (1931), de René Clair.
Vale também ver O Garoto, O Circo, Luzes da Cidade, que são filmes silenciosos e contam histórias ímpares, com o talento que só Chaplin tinha para atuar, dirigir e compor a trilha sonora. Uma das coisas que Charles Chaplin primava, aliás, era o cinema mudo. E ele resistiu até 1936 para incluir falas em seu filme. Embora date de 1927 o primeiro filme com diálogos ( O Cantor de Jazz, de Alan Crosland), Chaplin só fez isso no final de Tempos Modernos, quando o seu personagem Carlitos canta, em um idioma que não existe, nos momentos finais, para ganhar um emprego. Antes disso, o som do filme só provém da música e dos auto-falantes da fábrica.
Outro diretor que também vale ser visto, do tempo do cinema silencioso, é o austríaco Fritz Lang. Seu filme Metrópolis, de 1927, é um marco na história do cinema, principalmente por ter sido um dos primeiros filmes que tratam da ficção científica. Ao contrário de Tempos Modernos, Metrópolis não tem som nenhum.
No Brasil, também se fazia cinema. E muito. Um dos diretores que mais se destacaram no início do século 20 foi Humberto Mauro, que filmou cerca de 15 filmes, sendo que o primeiro foi Valadião, o Cratera (1925) e o último A Velha a Fiar (1964), uma história singular e poética que se utiliza de elementos muito recorrentes em suas obras: a natureza. Já Ganga Bruta (1933) é uma de suas mais importantes obras e foi exibida no centenário do cinema, comemorado em 1995, no Festival de Berlim. Na época, o filme, que mostra uma moça morta em sua noite de núpcias, foi mal-recebido pelo público, principalmente porque a mocinha era muito à frente do seu tempo. O final inacabado, porém, foi feito propositalmente.
Outro brasileiro de destaque é o carioca Mario Peixoto, o diretor de um filme só. O fato, porém, não o torna menos importante que os outros. Seu longa Limite (1930) é considerado por alguns cineastas como um dos mais importantes da história do cinema. Exageros à parte, Limite é um filme de uma vanguarda tardia, pois ele foi lançado em uma época em que o filme falado já estava a todo vapor, mas ele era silencioso. O longa conta a história de quatro pessoas que perderam a vontade de viver e ficam em um barco à deriva. Em flash-back, cada personagem conta a usa história.
Mário Peixoto viveu uma temporada na Inglaterra, onde escreveu um diário. Ele sofria do mal do século: a melancolia. O cineasta Glauber Rocha, que nunca assistiu à Limite, escreve em seu livro Revisão crítica do cinema brasileiro que o filme era um acontecimento trágico do cinema, porque a cópia havia sumido. Sobre o filme, que foi exibido em 17 de maio de 1931, no Cine Chaplin, Mário Peixoto informa que quis mostrar que o tempo é uma coisa ilusória, "que o tempo não existe". Poeta, ele até começou a filmar outras histórias, mas não finalizou nenhuma. Uma constante, aliás, muito comum no nosso cinema nacional, principalmente quando envolve dinheiro de patrocínio.
Leia as colunas anteriores da Tatianna:
? Três é sempre muito bom: Veja as seqüências que invadiram as telonas
? Direção a toda prova: Cineastas veteranos continuam com tudo em Hollywood
? Os melhores de 2006: Uma análise do que se destacou nas telonas durante o ano!
Fotos: www.sxc.hu e www.impawards.com
Quem é a colunista: Tatianna Babadobulos, paulistana, jornalista e crítica de cinema.
O que faz: Cinéfila de carteirinha, assiste a diversos filmes, além de escrever, ler e respirar cinema.
Pecado gastronômico: Doces, principalmente os encharcados de chocolate!
Melhor lugar de São Paulo: Qualquer área verde para se respirar ar puro ou sala de cinema que exiba um bom filme e a faça ir com uma ótima companhia (mesmo que seja ela mesma!).
Fale com ela: [email protected]
Atualizado em 6 Set 2011.