Leonardo é um garoto tímido, bonzinho, que lida com as dificuldades da adolescência num colégio de classe média como qualquer outro menino. Mas ele é cego, e está apaixonado. Por outro menino.
“Hoje eu Quero Voltar Sozinho” é uma daquelas pequenas joias que pulsam em nossas telas apenas uma vez a cada tantos anos, fazendo lembrar que o verdadeiro charme do cinema está no olhar. No caso, um olhar brasileiro e extremamente delicado.
O filme é a extensão de um curta-metragem de nome parecido (“Eu Não Quero Voltar Sozinho”), rodado pelo mesmo diretor (Daniel Ribeiro) e elenco em 2010. Sucesso em festivais, o curta contava, basicamente, a mesma história, mas numa versão mais infantil e despretensiosa.
Guilherme Lobo é, novamente, o protagonista. E não haveria por que substituí-lo: o jovem ator se sai tão bem no papel de Leonardo que o espectador sairá convicto de que ele é cego de verdade – não, não é. Sua atuação, aliada a uma direção sensível, colocam o público na pele do protagonista, naturalizando a deficiência e esmagando tabus sem precisar fazer uma tempestade com isso.
O filme abre com a mesma cena do curta, mas mais incisiva: Leonardo martela as teclas de uma máquina de escrever em braile, preenchendo a sala de aula com sua presença. Alguns meninos respondem com brincadeiras maldosas.
O longa, ao contrário do curta, se concentra nas relações sociais construídas na adolescência, e não apenas na descoberta de um amor. Bullying, superproteção, acampamentos e trabalhos escolares são alguns dos elementos que povoam esse universo, tão familiar e, ao mesmo tempo, tão mais leve quando visto pelos olhos de Ribeiro.
Ao lado de Leo está Giovana (Tess Amorim), sua melhor amiga desde a infância e sua guia no caminho da escola para casa. Já Fábio Audi interpreta Gabriel, o aluno novo que logo se torna melhor amigo de Leo, causando ciúmes em Giovana e ameaçando o equilíbrio do garoto, em todos os sentidos.
Também merece destaque a figura do pai de Leo, interpretado por Elcir de Souza: sensato, ele oferece o respeito necessário para que o filho cresça com confiança, alimentado por um amor-orgulho de encher os olhos. Vale a inspiração, para quem enfrenta um pequeno rebelde em casa.
O segredo de “Hoje eu quero...” está nas sutilezas, como no momento em que Gabriel entra pela primeira vez na sala de aula e a câmera enfoca a orelha de Leo, ou quando uma mão desliza para encontrar a outra, dizendo com isso tudo o que estava engasgado.
O sentido está nos detalhes, nos gestos cuidadosamente coreografados, em olhares ou na falta deles. Está no tato, pois o filme é sensorial: há a música clássica que Leo adora, a fotografia em tons pastéis (que faz lembrar tempos mais tranquilos), a água na piscina, no chuveiro e embaçada no box, as vozes sempre em primeiro plano.
Para quem andava desanimado com o cinema nacional, muito mal representado por pastelões e melodramas herdados de uma longa tradição noveleira, o filme de Daniel Ribeiro é um presente de rara sensibilidade. É uma lição para brasileiros, homo ou heterossexuais, cegos, míopes ou de visão perfeita. Uma lição de amor (ao cinema).
Assista se você:
- Quer ver um filme romântico
- Quer ver um filme que respeita as diferenças (e ajuda a quebrar preconceitos)
- Procura um filme leve, para sair com um sorriso no rosto
Não assista se você:
- Não quer ver um filme romântico
- Não gosta de filmes sobre adolescentes
- Procura algo com mais ação ou aventura
Por Juliana Varella
Atualizado em 13 Abr 2014.