Existe uma aura de perigo no novo cinema brasileiro. É uma aura de medo (de si mesmo, de fantasmas e vizinhos) que invoca a fantasia e torna possíveis obras poderosas e irresistíveis como “Mate-me Por Favor”. O longa de estreia de Anita Rocha da Silveira, lançado em 2015 em festivais, chega aos cinemas no dia 15 de setembro e é um filme obrigatório para amantes de cinema, arte, poesia e psicologia.
A sequência inicial já prepara o terreno para uma experiência muito mais sensorial do que estritamente narrativa. Uma câmera persegue opressivamente uma jovem na volta da balada. Ela está bêbada e anda devagar. Seu destino é óbvio e inescapável, mas, quando chega, o grito é longo demais. Longo e penetrante como as consequências desse primeiro assassinato para as garotas de um colégio da região.
As protagonistas de “Mate-me Por Favor” são um grupo de meninas que, em meio a uma série de estupros seguidos de assassinato, tentam seguir a vida normalmente, brincando como crianças e ressignificando o medo em lendas urbanas e perfis virtuais de falecidas, enquanto exploram seus próprios corpos ameaçados.
Ao mesmo tempo em que se sabe que ninguém está seguro – nem mulheres, nem homens – fica claro que há uma responsabilização delas pelos crimes. “Vocês não podem ficar por aí andando sozinhas sem um homem”, recomenda o namorado de Bia (Valentina Herszage, excepcional), apoiando-se nos conselhos de uma pastora que esbanja maquiagem e decotes enquanto fala em castidade. Ela não reage na hora, mas o estrago foi feito.
Tudo é muito simbólico e algumas cenas soltas se amarram para formar um espelho dessa geração. Paralelamente às notícias sobre as mortes, toca no rádio um funk sobre as “novinhas” e como suas provocações justificam tudo. Uma das garotas dança e filma para postar na internet. Mais tarde, numa festa de 15 anos, quem não “ficou” com ninguém termina a noite com a sensação de fracasso.
Nesse caos adolescente, sexo e violência, desejo e repressão andam de mãos dadas.
Quase sem perceber, o espectador é convidado a formular a mesma ideia do namorado machista quando vê Bia andando sozinha, à noite, num campo abandonado, e parando ali por muito mais tempo do que seria seguro. Como se gritasse “Mate-me por favor!”, ela testa a própria fibra, a do assassino e a do público num ato desesperado. Aconteça o que acontecer, ela teve a sua liberdade, do seu jeito, pelo menos por um minuto.
Por Juliana Varella
Atualizado em 14 Set 2016.