Há algo de especial em “Não Aceitamos Devoluções”. Mexicano, aparentemente inofensivo com sua história de pai-solteiro-atrapalhado e suas piadas de televisão latina, o filme surpreendeu Hollywood ao somar a quarta maior bilheteria de todos os tempos entre os filmes estrangeiros nos EUA, atrás apenas de “O Tigre e o Dragão”, “A Vida é Bela” e “Herói”.
O segredo de Eugenio Derbez, diretor e protagonista do longa (dificilmente classificável como uma comédia) é muito bem guardado: só se revela quando o quebra-cabeças se fecha e os créditos começam a subir, obrigando o espectador a repensar as últimas duas horas em busca de novos significados.
Derbez interpreta Valentín, um playboy mexicano de cabelos tingidos que passa cada noite com uma mulher diferente (ou mais de uma). Não muito esperto, ele cai no golpe de uma americana (Julie, vivida por Jessica Lindsey), que lhe entrega um bebê e foge de volta para os Estados Unidos – para onde ele não pode ir.
Esse primeiro problema se resolve facilmente, na traseira de um caminhão cheio de imigrantes ilegais. O verdadeiro desafio vem depois, quando Valentín percebe que não poderá voltar ao México com a criança, nem encontrará a mãe. A solução é aceitar, lá mesmo, um perigoso trabalho de dublê, e assumir seu papel de pai.
A escolha profissional do personagem é muito bem amarrada a outros elementos do roteiro, como a lembrança de um pai corajoso (em contraste com o filho medroso) e a frequente exposição da filha à ideia da perda do pai (que se finge de morto a cada queda, só para deixá-la ressuscitá-lo).
Pequenos detalhes dramáticos como esse fazem o público se surpreender, de tempos em tempos, com a profundidade de um filme que, até então, dividia-se entre o humor pastelão e o melodrama das novelas mexicanas.
Maggie, interpretada por Loreto Peralta, brilha em cena. Inteligente e graciosa, ela cresce cercada de mimos pelo pai, que até escreve cartas fictícias da mãe biológica, mantendo viva na menina a memória afetiva e o sonho de reencontrá-la.
Ironicamente, é quando a encontra, aos sete anos, que seu mundo de fantasias começa a ruir. Para o espectador, a chegada da mãe faz com que aquele início cômico seja substituído aos poucos por um arco final tenso e emocionante.
“Não Aceitamos Devoluções” oscila entre a seriedade e o riso, lembrando em alguns pontos o também-fenômeno “A Vida é Bela”, mas sem o mesmo equilíbrio. Um filtro mais apurado cairia bem: afinal, como podemos reagir a piadas tão infantis quando enfrentamos situações tão delicadas?
No fim, é como se Valentín e Maggie nos transportassem para seu mundo particular: um lugar onde as situações mais terríveis e mais assustadoras podem ser afastadas com um simples fechar de olhos e um amuleto mágico. Ou com uma piada.
Assista se você:
- Quer se surpreender com um filme diferente
- Gosta de histórias sobre pais e filhos
Não assista se você:
- Não gosta de humor pastelão
- Não gosta de filmes que fazem chorar
Por Juliana Varella
Atualizado em 5 Jul 2014.