Se você acompanhou o cinema brasileiro nos últimos meses, sabe que a briga pela vaga brasileira no Oscar 2017 foi digna de novela: “Aquarius” despontava como o favorito, colocado no radar da Academia desde sua première em Cannes e exaltado pela presença marcante de Sônia Braga (uma nostalgia expressa tanto na forma quanto no tema do filme).
O longa, porém, tinha contra si o fator político: a equipe era abertamente contra o governo de Temer e levá-lo à premiação mais assistida do mundo seria arriscar testemunhar outro protesto televisionado, como no festival francês. Quanto aos outros concorrentes, os mais badalados se retiraram da disputa e os demais, aguardaram em silêncio enquanto o seleto grupo de jurados tomava sua decisão.
No final das contas, quem ganhou as honras foi um filme muito discreto chamado “Pequeno Segredo” – um drama familiar com uma mensagem “paz e amor” que não poderia incomodar uma mosca. O longa estreia nos cinemas em novembro e, se por um lado não deve chegar nem perto dos finalistas ao prêmio americano, talvez tenha algum potencial nas bilheterias nacionais.
“Pequeno Segredo” conta a história real dos Schurmann: uma família de velejadores catarinenses que adotou uma garotinha de saúde delicada. O filme narra a infância da menina, chamada Kat, paralelamente a uma segunda história, que se amarra mais tarde, sobre o romance entre uma mulher amazonense e um homem neozelandês.
A história é bonita, mas a abordagem é bastante novelesca. Por todos os lados, somos bombardeados por frases de efeito, personagens estereotipados e metáforas desgastadas: uma tempestade prenuncia a tragédia; uma imersão na banheira ilustra angústia; um diário revela uma vida cheia de possibilidades; um voo representa a morte. Etc, etc, etc.
Em alguns momentos, os diálogos (mais fluentes em inglês do que em português) quase fazem o filme cair na comédia. No início, por exemplo, o “gringo” prepara seu melhor olhar Don Juan e diz à brasileira: “Querem nos separar porque pertencemos a mundos diferentes”. Nem adianta dizer que ninguém estava tentando separá-los. Em outra cena, a mãe dele, estrangeira e “civilizada”, compara uma brasileira branca e uma morena e dispara: “Claramente, vocês não são da mesma tribo”.
É claro que o tema pesado não deixa o público cair na gargalhada e a história, naturalmente triste, acaba se sobressaindo à linguagem. Mas a verdade é que o filme faz muito pouco para acrescentar qualquer profundidade ao discurso e fica difícil se deixar tocar por uma mensagem tão óbvia. Tudo é tão sentimental que soa falso. Uma ironia sem tamanho para uma história tão dolorosamente real.
Atualizado em 22 Set 2016.