2016 foi um ano curioso para o cinema. Animações e aventuras infantis brigaram de frente com super-heróis e, em muitos casos, ganharam, lembrando aos estúdios que famílias que vão juntas aos cinemas ainda podem ser mais lucrativas do que jovens solteiros de trinta-e-poucos anos – público que, apesar de fiel, está se tornando mais exigente. Sem encontrar ressonância com os próprios fãs, grandes apostas morreram na praia, enquanto produções de menor escala (e maior ousadia) ganharam fôlego no boca-a-boca, revelando um cansaço coletivo com as fórmulas estabelecidas de Hollywood.
Essas sucessões de decepções e surpresas parecem ter preparado o terreno para um 2017 mais questionador, ainda ligado às formas e temas dos últimos anos, mas com um olho no futuro, outro no passado e outro em alternativas que podem tornar o mainstream um pouco mais original.
Um olho no futuro...
"Passageiros", de Morten Tyldun, estreia em janeiro nos cinemas
Tudo indica que 2017 será o ano da ficção científica. O gênero, que já vinha vivendo uma retomada desde que “Gravidade” abocanhou 7 Oscars em 2013, voltou a ganhar buzz no finalzinho de 2016 com o brilhante “A Chegada” e, em 2017, já conta com uma lista respeitável de representantes, muitos deles reforçados por elencos estelares – provando que os estúdios estão mesmo apostando suas fichas mais altas em alienígenas, astronautas e androides.
“Passageiros” abre o ano com os queridinhos Jennifer Lawrence e Chris Pratt, sozinhos no espaço. Já “A Cura” traz Dane DeHaan e parece buscar inspiração na literatura de Thomas Mann. “God Particle” será mais uma sequência desconexa do universo “Cloverfield” (puxando a franquia para um lado mais espacial), enquanto “O Círculo” discutirá redes sociais e gigantes da comunicação com Emma Watson no papel principal.
Quem também traz uma atriz badalada como protagonista é “Ghost In The Shell”, remake do anime de 1995 com Scarlett Johansson que, apesar de controvérsias envolvendo a etnia da personagem, promete ser extremamente fiel ao material original. Outra estreia do gênero é “Life”, mais um drama de astronautas que pode surpreender, assim como “Alien: Covenant”, que une os universos de “Alien” e “Prometheus” sob direção de Ridley Scott.
"Valerian e a Cidade dos Mil Planetas", de Luc Besson, chega aos cinemas em agosto
Uma das grandes apostas do ano é o vibrante “Valerian e A Cidade dos Mil Planetas”, que marca o retorno de Luc Besson ao gênero e lembra muito o espírito de “O Quinto Elemento”. Por fim, “Blade Runner 2049” é provavelmente a sequência mais ambiciosa do ano, que conta com a direção competente de Denis Villeneuve.
... E outro no passado.
Como se pode perceber, a nostalgia que marcou os últimos anos continua forte. Sucessos dos anos 80 e 90 (até mesmo os de qualidade duvidosa) voltam com tudo em produções como “Trainspotting 2”, “A Bela e A Fera”, “Power Rangers”, “Baywatch”, “It” e “xXx – Reativado”. Personagens atemporais são revividos em “Kong: Ilha da Caveira”, “Rei Arthur: A Lenda da Espada” e “A Múmia” e outras épocas são relembradas em “La La Land” (que não é precisamente um reboot, mas busca uma memória afetiva de musicais) e “Assassinato no Expresso Oriente” (remake do longa dos anos 70).
"La La Land", de Damien Chazelle, resgata a magia e o romantismo dos musicais de Hollywood
No terror, o passado retorna para nos assombrar, mesmo que ninguém tenha, de fato, sentido falta dele. Veremos em 2017 novos episódios das franquias “Massacre da Serra Elétrica” (“Leatherface”), “Sexta-Feira 13” (homônimo), “Jogos Mortais” (“Saw: Legacy”), “O Chamado” (“Chamados”) e “Terror em Amityville” (“Amityville: The Awakening”).
O problema dos super-heróis
Franquias de super-heróis ainda são uma das fontes de renda mais confiáveis dos grandes estúdios, mas, enquanto as produções têm sugado orçamentos cada vez maiores, o público não parece estar respondendo na mesma proporção. Em 2016, gigantes como “Batman vs Superman”, “Esquadrão Suicida”, “X-Men: Apocalipse” e “Doutor Estranho” receberam reações mistas, enquanto o menos ambicioso “Deadpool” conquistou uma legião de fãs, novos e antigos. “Capitão América: Guerra Civil” parece ter sido o único blockbuster que passou imune pela “crise dos super-heróis”, mas até seus criadores entenderam que talvez seja hora de mudar.
Novo "Homem-Aranha" promete trazer clima mais escolar e adolescente para o gênero de super-heróis
Neste ano, a Marvel aposta em três lançamentos de perfis bastante distintos: “Guardiões da Galáxia Vol. 2” é uma “ópera espacial” com humor ácido e ênfase na trilha musical, como um clássico “filme cara-de-pau” de férias. Já “Homem-Aranha”, que inaugura propriamente o herói mascarado na Marvel Studios (ele antes pertencia à Sony) provavelmente terá um tom mais juvenil, de comédia escolar e romance de formação. “Thor: Ragnarok”, por sua vez, deve ser o filme “de guerra” do ano, com o verdão Hulk dando as caras no que parece ser uma arena de gladiadores, enquanto o povo de Asgard luta por sobrevivência.
Optando por uma abordagem bem diferente, a DC Comics trará aos cinemas os filmes “Lego Batman”, “Mulher Maravilha” e “Liga da Justiça”. O primeiro segue na linha de “Uma Aventura Lego”, que foi um sucesso entre crianças e adultos, além de agradar à crítica com seu humor inteligente. Mais convencional, “Mulher Maravilha” será um romance de guerra de forte cunho feminista, com a missão de resgatar a confiança no estúdio e aquecer o hype para “Liga da Justiça”, que juntará os principais heróis da marca em novembro.
"Logan", da Fox, mostrará um lado mais frágil e humanizado dos mutantes
Correndo por fora, a Fox continua a explorar seu universo de X-Men, mas traz uma proposta diferente para 2017: “Logan”, talvez o filme mais sóbrio da franquia até agora, mostrará Wolverine e Xavier mais velhos e fragilizados, num cenário mais pessimista e introspectivo, que busca humanizar os personagens. Esse é o filme que poderá mudar o jogo para a marca.
Animação em baixa
Se 2016 foi um ano de ouro para a animação, tanto adulta quanto infantil, 2017 por enquanto não parece trazer o mesmo impulso. O ano começa com “Moana”, uma aventura da Disney que propõe uma personagem diferente, mas não parece arriscar muito, e, depois disso, estagna em sequências e mais-do-mesmo, com exceção do interessante “O Poderoso Chefinho”, sobre um menino e seu irmãozinho terrorista.
Quem se destaca são as produções brasileiras, que parecem ter ganhado confiança após sucessos como “O Menino e O Mundo” e agora aparecem em maior número nos cinemas. Em março, estreia a comédia infantil “Bugigangue no Espaço” e, em julho, é a vez de “Peixonauta – O Filme” e “Lino” – uma animação com potencial para atrair pais e filhos. Fugindo um pouco da animação, mas ainda no gênero infantil, também estreia neste ano o filme nacional baseado na série “Os Detetives do Prédio Azul”.
A animação brasileira "Lino" estreia em julho nos cinemas
Por fim, a animação “feel good” do ano (que pode dar muito certo ou muito errado) é a bizarra “Emojimovie: Express Yourself”, da Sony. O filme pretende mostrar a vida das “carinhas” usadas em conversas virtuais num mundo secreto dentro do seu smartphone. É esperar para ver.
Filmes para chorar, filmes de guerra e uma aposta
Relativamente ignorado em 2016 (exceto pelo muito bem sucedido “Como Eu Era Antes de Você), o gênero “filmes para chorar” ou “dramas com lições de vida” deve voltar mais forte em 2017. Por enquanto, já despontam títulos como “Beleza Oculta”, com Will Smith e roteiro (muito) original de Allan Loeb, “Quatro Vidas de Um Cachorro”, baseado no romance de W. Bruce Cameron, e a adaptação de “Extraordinário”, com Julia Roberts e Jacob Tremblay.
Sem data para estrear no Brasil, também entram nessa categoria os concorrentes “Gifted”, sobre um tio solteiro (Chris Evans) que cria sua sobrinha superdotada, e “The Book of Henry”, sobre uma mãe solteira numa situação semelhante (também com Tremblay).
"Até o Último Homem", de Mel Gibson, estreia em janeiro nos cinemas
Outro gênero que parece estar voltando à tona é o romance de guerra, que em 2017 traz algumas histórias surpreendentemente diferentes. Em janeiro, estreia “Aliados”, drama sobre um casal que luta junto na Guerra Fria, mas descobre que pode estar secretamente trabalhando em lados opostos. No mesmo mês, chega aos cinemas o muito elogiado “Até o Último Homem”, de Mel Gibson, sobre um soldado com uma filosofia pacifista.
“Silence”, projeto dos sonhos de Martin Scorsese, finalmente sairá do papel, contando a história de dois missionários jesuítas que viajam ao Japão no século XVII para resgatar um colega e testemunham todo o tipo de violência. Quem também mergulha no tema é Christopher Nolan, que escolhe a Segunda Guerra Mundial como cenário para seu novo filme, “Dunkirk”.
Uma das grandes estreias do ano ainda não foi citada aqui e, apesar de parecer isolada por enquanto, pode vir a lançar tendência. É a adaptação da série literária “A Torre Negra”, de Stephen King, com Idris Elba no papel de um pistoleiro num velho-oeste fantástico que procura uma torre capaz de salvar o seu mundo. Se cair nas graças do público, o filme pode ser o início de uma franquia literária grandiosa, ocupando o vácuo deixado por séries como “Jogos Vorazes” e “Harry Potter”, mas com um apelo mais adulto.
Série de livros "A Torre Negra", de Stephen King, será adaptada para os cinemas com Idris Elba
Além disso, o burburinho em cima dessa série, combinado com o sucesso inicial de “Westworld”, faz pensar se o faroeste não estaria prestes a viver um renascimento, atualizado com combinações de ficção científica e fantasia. Outras tentativas mais “puras” já tentaram retomar o gênero, mas não tiveram sucesso. Veremos se a mistura faz o efeito.
Por Juliana Varella
Atualizado em 29 Dez 2016.