Guia da Semana

De Los Angeles


A primeira coisa que chamou a atenção do público para o filme Trovão Tropical (Tropic Thunder) foi a escalação de seu elenco. Ben Stiller, Jack Black e Robert Downey Jr., vivendo um personagem negro. Negro? Essa foi a pergunta que muita gente fez na vida real e também no roteiro, já que em ambos os "mundos" o ator é branco. Devidamente inserido no radar cinematográfico do ano, Ben Stiller pôde dirigir seu projeto de longa data e acabar com alguns exageros da classe artística, afinal de contas, Trovão Tropical é um filme sobre atores, que satirizam atores e não têm vergonha de esconder as bobagens da profissão.

Ben Stiller tem o conceito para Trovão Tropical há 20 anos. Naquela época, os filmes sobre o Vietnã estavam em alta, muita gente falava em produções de guerra e "todo ator que se preze" passava um tempo nos boot camps - onde os recrutas são treinados na vida real. Como tudo era de mentirinha e os atores se diziam tão transformados pela experiência, Stiller decidiu sacanear a coisa toda. E é aí que Trovão Tropical começa sua trajetória. Um veterano do Vietnã escreveu um livro, que será adaptado por alguns superastros do momento. Mas tudo é exageradamente falso e improvável, então, alguém tem a feliz idéia de enviar o grupo para o meio da selva. E, claro, tudo dá errado e o festival de besteiras - que já aumentava em progressão geométrica - dá um salto para a velocidade da luz.

Stiller é uma mistura de Schwarzenegger e Stallone, um herói de ação decadente e execrado pela classe depois de criar um deficiente mental em uma de suas tentativas dramáticas. Ele não faz idéia do que é uma boa atuação e não dá uma dentro. Do outro lado, porém, está Kirk Lazarus, vivido por Robert Downey Jr., um vencedor do Oscar e famoso por ser um "ator de método", que enfrenta imersão pesada e qualquer outra necessidade apresentada por seus personagens. Uma espécie de Daniel Day-Lewis às avessas. Desta vez, ele decide pigmentar sua pele para ficar negro. Jack Black está ali, mas é descartável, não embala nas piadas e, assim como seu personagem - um tipo de Eddie Murphy extremamente decadente -, precisa de direcionamento, que não encontra.

Conceitualmente, Trovão Tropical é uma reedição de Os Três Amigos, clássico com Steve Martin, Martin Short e Chevy Chase. Atores confrontam situações reais e descobrem que algumas de suas habilidades são úteis no mundo cão, porém, não deixam de ser atores. No caso do novo filme, existe uma crítica cáustica à classe artística. Ninguém escapa. O agente disposto a tudo pelo seu cliente, o ator-estrela que pára o filme na hora que bem entende para deliberar sobre sua interpretação e, claro, o executivo inescrupuloso e nojento do estúdio. Este último, aliás, ficou a cargo de Tom Cruise, que surge como a maior surpresa do filme.

Doido, gordo, insano, peludo e completamente imprevisível, o personagem de Cruise serve até mesmo como autocrítica a seus repentes de maluquice em talk shows norte-americanos. Toda a idéia foi dele, desde o visual até a obstinação do sujeito por energéticos e danças esquisitas. É um pequeno show à parte dentro da seqüência de esquetes dirigidos por Ben Stiller.

Fazendo literalmente o que bem entende em 2008, Robert Downey Jr. atrai todas as atenções. Além de estar negro, ele incorporou as gírias e a pronúncia exagerada digna de um morador do centro de Los Angeles de maneira tão ostensiva, que pouco sobrou da imagem de ex-drogado ou do sujeito que deu vida a Tony Stark, em Homem de Ferro. A presença de um ator genuinamente negro no elenco, Brandon T. Jackson, faz com que a crítica fuja à mera questão racial, pois, efetivamente, Trovão Tropical aponta o dedo na cara das posturas radicais e, como comédia de ofício, tira sarro de exageros e estereótipos. Claro que a polêmica aconteceu mesmo assim.

O que ninguém esperava, porém, é que grupos ligados a deficientes mentais também se mobilizassem contra o filme. Um dos personagens de Tugg Speedman (Stiller) é um deficiente aos moldes de Leonardo DiCaprio em Gilbert Grape - Aprendiz de Sonhador e Sean Penn em Uma Lição de Amor. É estereótipo para dar e vender, mas, é preciso sair em defesa do longa, que foca em seus realizadores não nos grupos em questão.

Trovão Tropical estreou em primeiro lugar nas bilheterias norte-americanas e teve uma ótima segunda semana, o que prova que o pedido de boicote saiu pela culatra e todo mundo quer saber que diabos acontece com esse bando de estrelas metidos na selva, cercados por traficantes de drogas e, de quebra, ainda foram abandonados por seu estúdio. É uma bobagem divertida, tem ótimos momentos e mostrou grande química entre Stiller e Downey Jr. A direção de Stiller agrada e conseguiu captar a essência do que precisava ser escrachado. Só não é melhor por conta de Jack Black, que não disse a que veio e falhou solenemente num gênero em que deveria dar um nó nos "sérios" Stiller e Downey Jr. Feel the Thunder!


Quem é o colunista: Fábio M. Barreto adora escrever, não dispensa uma noitada na frente do vídeo game e é apaixonado pela filha, Ariel. Entre suas esquisitices prediletas está o fanatismo por Guerra nas Estrelas e uma medalha de ouro como Campeão Paulista Universitário de Arco e Flecha.

O que faz: Jornalista profissional há 12 anos, correspondente internacional em Los Angeles, crítico de cinema e vivendo o grande sonho de cobrir o mundo do entretenimento em Hollywood.

Pecado gastronômico: Morango com Creme de Leite! Diretamente do Olimpo!

Melhor lugar do Brasil: There´s no place like home. Onde quer que seja, nosso lar é sempre o melhor lugar.

Atualizado em 10 Abr 2012.