Guia da Semana

Foto: Divulgação


O Oscar de Melhor Filme Estrangeiro não costuma me decepcionar. Até porque existem assuntos urgentes que quase não são abordados pela indústria cinematográfica "pipoca" dos americanos, mas que chamam a atenção da Academia.

A diretora dinamarquesa Susanne Bier respeita a integridade intelectual do espectador no longa Em um mundo melhor, apresentando, já no começo do filme, cenas descontinuadas que revelam a história de cada personagem de modo natural e cativante. A fotografia do filme ocupa-se em trazer elementos de grande propriedade à crítica central dessa história e nos apresenta cenários que diferenciam África e Europa com bastante propriedade. Parece até "coisa de cinema".

No meio da trama, algo chamou minha atenção: em uma determinada cena, o protagonista do filme observa com calma uma teia de aranha fixada em uma árvore. A reflexão que se tem neste momento é: "Existe mundo civilizado ou a lei operante ainda é a do mais forte?". Uma teia de aranha, algo passageiro, quase casual se torna, nesse momento, metáfora para as ações subsequentes do filme - uma teia invisível de subjetividade capaz de ligar todos os personagens com o máximo de informações subliminares e o mínimo de diálogos.

O filme conta a história de um médico sueco que se divide entre o trabalho missionário no Quênia e a sua família na Dinamarca. Homem íntegro, precisa provar para o filho, um pré-adolescente vítima de bullying na escola - e a ele mesmo, testemunha de atrocidades cometidas por um líder africano - que é capaz de enfrentar a violência irracional dos brutos com atitudes pacíficas e civilizadas. Longe de ser moralista, o filme apresenta um conteúdo humano e emocional que evidencia a diferença entre crianças e adultos, autoridades e autoritarismos.

Os atores realizam um trabalho exemplar, com destaque para a atuação do elenco infantil que certamente se envolveu em laboratórios psicológicos para a montagem da estrutura de seus personagens. O roteiro apresenta padrões psicológicos observados em situações reais que abarcam famílias envolvidas em perdas de parentes próximos e históricos de violência, desvio de conduta e/ou inversão de valores hierárquicos.

Em vários momentos, Bier critica a omissão das instituições de ensino, das autoridades policiais, da justiça e do Estado no que se refere ao vácuo de poder que permite a cristalização do círculo de violência entre membros da sociedade - algo que acontece em todos os países do mundo, independentemente de sua riqueza e padrão social. A dicotomia entre os cenários africano e europeu, nesse sentido, é de arrepiar e denuncia a existência da incivilidade além dos ambientes hostis do terceiro mundo.

(Particularmente o filme chamou minha atenção, pois realizo palestras dramatizadas em escolas sobre bullying e tenho visto, com os meus próprios olhos, o quanto a violência nas escolas pode se tornar o estopim para traumas e diversas catástrofes familiares. O assunto é tratado também no meu próximo livro, Eros e Psique, cujo lançamento acontecerá no dia 1º de abril de 2011, a partir das 18h na Livraria Paulus, Rua México 111, no Rio de Janeiro.)

Leia as colunas anteriores de João Pedro Roriz:

Cisne Negro

Aversão da vida a dois

Tron e seus efeitos especiais

Quem é o colunista:"Sou um bandido corrompido pelas paragens do bem, muito além do homem descrito como poeta".

O que faz: Escritor, jornalista e ator. Autor de nove livros e peças de teatro. Faz palestras em escolas de todo o Brasil. É apresentador do programa "Rio Cultural", da Rádio Rio de Janeiro.

Pecado gastronômico: Todos, principalmente cerveja quando sai com os amigos!

Melhor lugar do mundo: Sua casa, principalmente na hora de escrever e/ou quando os parentes e os amigos o visitam.

O que está ouvindo no carro, iPod, mp3: É muito fã de Chico Buarque. Também gosta de música clássica, ópera, rock e MPB.

Para falar com ele: [email protected], ou no seu site.



Atualizado em 6 Set 2011.